Liminar
Irituia. A Prefeitura. O Juiz. O Concurso Público e a Liminar
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Por
O Antagônico
A Vara Única da Comarca de Irituia, que tem à frente o juiz Erichson Alves Pinto, proferiu sentença determinando que o município realize concurso público para o provimento de cargos efetivos, sob pena de multa. A decisão atende ação civil pública movida pelo Ministério Público do Pará, devido ao que o MP chama de “omissão” quanto à obrigação constitucional de abrir vagas por meio de certame.
O último concurso municipal de Irituia foi realizado em 2018, e, desde então, contratações temporárias vêm sendo feitas para funções de caráter permanente. De acordo com os autos, o município foi intimado em diversas oportunidades para apresentar cronograma de realização de novo certame, “mas permaneceu inerte ou apresentou informações genéricas e sem comprovação documental”.
A Vara Única determinou que o município de Irituia deve publicar edital de concurso público no prazo de até 180 dias, concluir o certame (com homologação final) no prazo máximo de 300 dias, priorizar a nomeação dos aprovados no concurso de 2018 – caso o certame ainda esteja vigente –, e abster-se de fazer novas contratações temporárias para cargos permanentes, salvo em casos de excepcional interesse público, devidamente justificados. Leia a sentença abaixo:
SENTENÇA Vistos.
O MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DO PARÁ ajuizou a presente AÇÃO CIVIL PÚBLICA em face do MUNICÍPIO DE IRITUIA, objetivando compelir o ente municipal à realização de concurso público para provimento de cargos efetivos, com a consequente publicação do cronograma e do edital do certame. Segundo a petição inicial (ID 126635627), o município vem se omitindo em seu dever constitucional de realizar concurso público, sendo que o último certame ocorreu em 2018. Durante a gestão anterior, foram realizadas contratações irregulares de servidores temporários para funções de natureza permanente, ignorando candidatos aprovados no concurso de 2018 que deveriam ter sido nomeados.
O Ministério Público relatou que enviou diversos ofícios e recomendações ministeriais entre 2023 e 2024, mas a gestão anterior não forneceu informações satisfatórias nem adotou as medidas necessárias. Deferida a liminar, o município foi inicialmente intimado para manifestação sobre interesse em audiência de conciliação (ID 127371105), permanecendo inerte. Posteriormente, foi citado para contestar a ação (ID 130611604), deixando transcorrer o prazo in albis, conforme certidão de ID 138622827. Por despacho de ID 138632614, foram declarados os efeitos materiais e processuais da revelia. Considerando a mudança de gestão municipal em 1º de janeiro de 2025, este Juízo determinou a intimação pessoal do novo Prefeito e Secretário de Administração (ID 140273345), devidamente cumprida conforme IDs 141361820 e 141532396
O município apresentou manifestação tardia (ID 142664202), alegando dificuldades na transição de gestão e informando sobre estudos para regularização da situação, mas sem apresentar cronograma concreto ou comprovação de medidas efetivas. O Ministério Público requereu julgamento antecipado do mérito (IDs 140116135 e 145732636), argumentando que se trata de questão de direito e que não há necessidade de produção de outras provas.
Por decisão de ID 146046421, foi determinado que o réu se manifestasse sobre interesse na produção de provas, ao que respondeu negativamente (ID 147409789). Nova oportunidade foi concedida ao município através da decisão de ID 147699386, determinando-se a apresentação, no prazo de 15 dias, de: cronograma detalhado para realização do concurso público; comprovação documental das providências adotadas; informações sobre os aprovados no concurso de 2018; e esclarecimento sobre interesse em termo de ajustamento de conduta. O município permaneceu silente, conforme certidão de ID 153707794. Em sua manifestação final (ID 155253598), o Ministério Público reiterou o pedido de julgamento antecipado e procedência integral dos pedidos, destacando a resistência municipal e a violação ao princípio constitucional do concurso público.
É o relatório.
DECIDO.
FUNDAMENTAÇÃO DO JULGAMENTO ANTECIPADO
O feito comporta julgamento antecipado do mérito, nos termos do art. 355, incisos I e II, do Código de Processo Civil, uma vez que: (i) não há necessidade de produção de outras provas, tratando-se de questão eminentemente de direito; e (ii) o réu é revel e não há requerimento de prova.
DO MÉRITO
A obrigatoriedade de concurso público para investidura em cargo ou emprego público é princípio basilar da Administração Pública, insculpido no art. 37, inciso II, da Constituição Federal: “Art. 37. A administração pública direta e indireta de qualquer dos Poderes da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios obedecerá aos princípios de legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência e, também, ao seguinte: II – a investidura em cargo ou emprego público depende de aprovação prévia em concurso público de provas ou de provas e títulos, de acordo com a natureza e a complexidade do cargo ou emprego, na forma prevista em lei, ressalvadas as nomeações para cargo em comissão declarado em lei de livre nomeação e exoneração;” Este preceito constitucional visa assegurar a isonomia, moralidade e eficiência na gestão pública, garantindo que o acesso aos cargos públicos se dê de forma isonômica e meritocrática. No caso em análise, restou incontroverso que:
O último concurso público municipal ocorreu em 2018 (há mais de 6 anos); O município vem realizando contratações temporárias para funções de natureza permanente; Existem candidatos aprovados no concurso de 2018 que não foram nomeados; O Ministério Público expediu diversas recomendações que foram ignoradas; Mesmo após múltiplas oportunidades judiciais, o município não apresentou cronograma concreto nem comprovou medidas efetivas. A revelia do município importa em presunção de veracidade dos fatos alegados na inicial (art. 344, CPC), corroborada pela documentação acostada aos autos. A manifestação tardia do município (ID 142664202), não obstante este Juízo ter aplicado a regra da não-surpresa, art. 9º do CPC, ao conceder nova oportunidade de palavra nos autos à novel administração pública, não trouxe elementos capazes de infirmar os pedidos iniciais, limitando-se a promessas genéricas sem comprovação documental ou cronograma específico.
A posterior oportunidade concedida por este Juízo (ID 147699386) restou infrutífera, demonstrando inequívoca resistência administrativa em cumprir as determinações legais e constitucionais. Urge ressaltar que o atual quadro administrativo perpetrado por diversas gestões municipais, longe de ser exclusividade da atual, ao regozijar centenas de servidores comissionados, em detrimento da regra constitucional do serviço público, rebaixa o ideário republicano de diversas formas. A regra constitucional do concurso público possui em seu âmago a independência formal e material daquele que exerce o cargo. O servidor concursado não está sujeito à temporalidade das disputas políticas, ao mando e desmando de quem o nomeou por ato administrativo precário, é livre em sua atuação funcional, restando servo tão somente da legalidade constitucional e infraconstitucional, o que perfaz o interesse público primário por excelência.
Ademais, centenas de servidores nomeados por meras indicações políticas significa um “cabresto eleitoral” de um número considerável de pessoas e até seus respectivos familiares, desaguando no equilíbrio do pleito eleitoral. O candidato detentor da “máquina pública” terá seu mandato avaliado não pela qualidade do serviço público que desempenhou ao longo de 4(quatro) anos, mas sim pela quantidade de pessoas que “empregou”, a despeito da excelência do desempenho daqueles que foram empregados… Portanto, a regra constitucional do concurso público é regra multifacetária, que se inicia na preocupação da boa gestão da coisa pública, transpassando por regras de eficiência pessoal, de impessoalidade podendo ser entendida até como vedação de abuso de poder político. DOS PEDIDOS E DA TUTELA ESPECÍFICA O pedido de obrigação de fazer encontra amparo legal no art. 497 e seguintes do CPC, sendo cabível a fixação de multa para assegurar o cumprimento da decisão.
Considerando a manifesta recalcitrância do ente municipal e a necessidade de dar efetividade ao comando judicial, é imperioso estabelecer cronograma detalhado com prazos peremptórios, sob pena de medidas coercitivas. A situação dos aprovados no concurso de 2018 deverá ser regularizada prioritariamente, caso, por alguma suspensão, o concurso ainda esteja vigente, em observância à anterioridade das aprovações.
DISPOSITIVO
Ante o exposto, JULGO PROCEDENTE a presente ação civil pública para:
DETERMINAR ao MUNICÍPIO DE IRITUIA que: a) Realize concurso público para provimento de cargos efetivos, publicando edital no prazo de 180 (cento e oitenta) dias e concluindo o certame(fase final de homologação do concurso) em até 300 (trezentos) dias.
Priorize a nomeação dos candidatos aprovados no concurso público de 2018, conforme disponibilidade de vagas e ordem de classificação, caso o certame ainda esteja vigente;
Abstenha-se de realizar novas contratações temporárias para funções de natureza permanente, salvo casos de excepcional interesse público devidamente justificados, o que poderá ensejar prática de ato de improbidade administrativa doloso.
FIXAR multa diária de R$ 5.000,00 (cinco mil reais) em caso de descumprimento de qualquer das obrigações acima, a ser aplicada pessoalmente ao Prefeito Municipal e ao Secretário de Administração, sem prejuízo da responsabilização por improbidade administrativa. Inicialmente limitada a R$ 50.000,00 (cinquenta mil reais) por agente político.
DETERMINAR o encaminhamento de cópia desta sentença ao Tribunal de Contas dos Municípios do Pará para as providências de sua competência.
CONDENAR o município ao pagamento das custas processuais, observada a isenção prevista no art. 40, V, da Lei nº 8.328/2015. Transitada em julgado, expeça-se mandado de intimação ao município e aos agentes políticos para cumprimento da decisão.
Publique-se. Registre-se. Intime-se.
Irituia, Pará, 8 de setembro de 2025
ERICHSON ALVES PINTO
Juiz de Direito
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O Remo. O Jogo com o Avaí. Os Confrontos dos Desesperados. O Sonho do Acesso e o Dia D
