A Defensoria Pública do Estado do Amapá (DPE-AP) entrou com uma Ação Civil Pública (ACP) contra o Instituto de Administração Penitenciário (Iapen) do estado após duas mulheres morrerem em razão de problemas de saúde agravados por práticas de tortura. O caso ocorreu no Centro de Custódia Feminino, em Macapá, e teria envolvido o uso de spray de pimenta contra as detentas ao menos cinco vezes ao dia.
O objetivo da ação, segundo o instituto, é cessar as violações de direitos na prisão feminina. “Vocês só vão sair quando morrer, no carro da tumba”, teria afirmado uma policial penal para as detentas da Coordenadoria da Penitenciária Feminina (Copef), conforme a defensoria. No dia 5 deste mês, o juiz deferiu parcialmente a tutela de urgência e a instituição aguarda o julgamento do mérito em juízo.
Uma inspeção no local foi realizada em 25 de agosto, após a notificação da morte da detenta Vitória Daniele Duarte poucos dias antes, em 21 de agosto. A situação envolveu relatos de negativa de atendimento médico, ausência de escolta hospitalar e uso de spray de pimenta. Durante a ação, a defensoria relatou ter encontrado uma série de irregularidades estruturais, além de indícios de negligência e tortura nas dependências do centro de custódia.
Dez dias depois, em 1° de setembro, outra mulher privada de liberdade, Eva Maria de Souza, foi encontrada sem vida, também em decorrência da falta de assistência médica adequada. De acordo com os defensores públicos Carlos Marques e Arthur Pessoa, que conduziram a inspeção, há indícios de que as práticas de tortura no local contribuíram para a piora do quadro de saúde das internas.
Afastamento de servidores – Como forma de dar fim às violências, a ação protocolada pela defensoria pede o afastamento imediato da coordenação e dos servidores envolvidos nas práticas de tortura. A medida solicita ainda a abertura de um Procedimento Administrativo Disciplinar (PAD) e um Inquérito Criminal para apurar os fatos. Também foi solicitado o acesso às filmagens de todos os ambientes do centro de custódia.
Na ação, são requisitadas providências quanto às condições estruturais da penitenciária — como dedetização de pragas, higienização das alas e demais áreas —, fornecimento de água potável, atendimento médico adequado, alimentação suficiente e de qualidade, coleta regular de lixo e distribuição contínua de kits de higiene — com destaque para a entrega de absorventes —, assim como garantia de banho de sol diário em horário apropriado.
Quanto às condições do local, foi solicitada inspeção da Vigilância Sanitária com emissão de laudo técnico que aponte as adequações necessárias para assegurar condições mínimas de higiene e saúde. Além disso, foi pedido a apresentação do alvará de funcionamento e da licença sanitária da unidade prisional.
A ação movida pela defensoria prevê também o pagamento, por parte do Estado, de uma indenização por dano moral coletivo, sendo o valor destinado ao Fundo Estadual de Direitos Difusos (FDD). Somada à indenização, também foi requisitado a fixação de multas diárias em caso de descumprimento das medidas e a implementação de ações estruturantes.
Segundo dados do Sistema de Audiência de Custódia (Sistac), do Conselho Nacional de Justiça, 8,4% das audiências de custódia realizadas no Brasil em 2023 registraram denúncias de tortura ou maus tratos. Esse mesmo ano contou com o maior número absoluto de audiências e de denúncias, com mais de 31 mil casos de violações reportados. Somente no estado do Amapá foram 132 audiências com relatos de tortura ou maus tratos.
Sobre os casos de mortes no sistema penitenciário, dados do Sistema Nacional de Informações Penais (Sisdepen) apontam para 3.091 casos em 2023, com 46,8% ocorrendo por motivos de saúde. No estado da Região Norte, foram 17 mortes naquele ano.