Ameaça
O Pará. O Amapá. A Foz do Amazonas. O Vazamento de Óleo. A Guiana Francesa e a Ameaça
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O AntagônicoCom apoio do barco do Greenpeace, pesquisadores do Instituto de Pesquisas Científicas e Tecnológicas do Estado do Amapá (IEPA) embarcaram em uma expedição científica de 21 dias na Foz do Amazonas, do Pará ao Amapá, para compreender melhor a dinâmica das águas costeiras e mapear possíveis impactos da exploração de petróleo na região. Após observar o movimento de sete equipamentos oceanográficos que emitem sinais de localização, o estudo indica que em caso de acidente de vazamento de petróleo no local, o óleo poderia se espalhar até a Guiana Francesa, o Suriname e a Guiana.
É nessa bacia, no Amapá, que está o chamado bloco FZA-M-59 (ou bloco 59), onde há interesse da estatal Petrobras. A empresa teve a licença negada pelo Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama) em maio de 2023 e aguarda nova decisão. De forma geral, a justificativa na época foi a ausência de estudos suficientes sobre a área, algo que Enrico Marone, porta-voz de oceanos do Greenpeace, concorda. “Existem poucas modelagens com relação às características hidrodinâmicas dessa zona Costeira e marinha e é muito importante a gente ter um entendimento melhor sobre essa dinâmica para poder interpretar o que aconteceria em caso de vazamento de petróleo”, explica.
A viagem foi realizada durante o mês de março a bordo do veleiro Witness, que, por ser menor que outros tipos de embarcação (como um navio), permite chegar a trechos mais estreitos e rasos do rio. Em vários locais do percurso, foram lançados sete equipamentos rastreadores, chamados derivadores, que são boias de 20 centímetros que ficam na superfície e simulam a dispersão de poluentes. Na página da expedição, é possível acompanhar as atualizações desses localizadores. O monitoramento continua e a previsão é que, em algumas semanas, o relatório oficial seja divulgado.
Resultados preliminares já sinalizam alertas. Em pouco tempo, dois dos derivadores chegaram a zonas protegidas da Amazônia: a Área de Proteção Ambiental (APA) do Arquipélago do Marajó, no Pará, e a Reserva Ecológica do Lago Piratuba, no Amapá. “Dos outros cinco que a gente lançou em áreas mais profundas e também em cima do bloco 59, um cruzou a fronteira com a Guiana Francesa. O outro tocou a costa do Suriname, mais um chegou à costa da Guiana e dois deles seguem viajando em direção ao Caribe”, descreve Marone, que também é oceanólogo. Se os derivadores chegaram até essas áreas, isso quer dizer que é provável que, em caso de vazamento de óleo, aconteça o mesmo. “Isso poderia criar um grande problema diplomático também”, adverte.
Outra preocupação é a ameaça que um acidente dessa atividade representaria para os manguezais da Amazônia, que compõem o maior cinturão do ecossistema no mundo. “São ambientes dominados pela macromaré, que podem chegar a 12 metros. Então, imagine só, se uma mancha de óleo vir numa maré e entrar num mangue, vai assentar nesse ambiente complexo, cheio de raízes, depois que a maré baixar. Seria um dano Irreversível”, complementa. Na Foz do Amazonas está ainda a ilha de Maracá, onde se tem uma das maiores concentrações de onça pintada do mundo.
Um dos motivos da negativa à licença da Petrobras no ano passado foi a ausência de uma Avaliação Ambiental de Área Sedimentar (AAAS). O instrumento é de responsabilidade conjunta do Ministério de Minas e Energia (MME) e do Ministério do Meio Ambiente (MMA) e avalia o impacto de projetos de produção de gás natural e petróleo em toda a cadeia. No início desta semana, a Folha de S. Paulo divulgou um anúncio que teria sido feito pelo diretor do Ibama, Rodrigo Agostinho, de que o presidente Luiz Inácio Lula da Silva deve publicar um decreto sobre a necessidade de realizar o AAAS para obter a autorização de perfuração no país. Apesar de a avaliação ter sido instituída no Brasil em 2012, acabou não se tornando prática e Agostinho acredita que o decreto pode ajudar a todos terem “o mesmo entendimento”.
A Petrobras prevê investimentos de mais de R$ 15 bilhões na região, também conhecida como Margem Equatorial. No entanto, para o Greenpeace, apostar nesse tipo de atividade é um contrassenso à postura de líder climático que o Brasil assume no cenário global. O barco ancorou em Belém na segunda-feira (25) e aproveitou a passagem do presidente francês Emmanuel Macron pela cidade para exibir faixas contra a exploração de petróleo na Amazônia.
O europeu estava acompanhado do presidente Lula na ocasião e uma comitiva de ministros, incluindo Marina Silva, do MMA. “Globalmente, os combustíveis fósseis são o principal emissor de CO2 e agravam muito a crise climática. Não faz mais sentido apoiar a abertura de novas fronteiras de exploração de petróleo, principalmente aqui na bacia da Foz do Amazonas, uma região tão sensível do ponto de vista socioambiental”, declara Enrico Marone.
Para ele, a COP 30, conferência mundial sobre mudanças climáticas que será realizada em Belém no ano que vem, é uma oportunidade de levantar o debate sobre a importância da conservação dos ambientes costeiros e marinhos para o equilíbrio climático e a manutenção do modo de vida das comunidades.
A expedição também se dedicou à escuta das comunidades tradicionais que vivem nessa região costeira. Das 103 pessoas entrevistadas, 42,7% apresentaram expectativas negativas sobre a exploração de petróleo e quase 69,2% citaram os impactos sobre a pesca e vida marinha como fator negativo, indicando, principalmente, o vazamento de óleo como possível causa. Além disso, apenas 4% dos entrevistados declararam ter participado de alguma audiência pública sobre o empreendimento.
Em nota, a Petrobras ressalta que possui 70 anos de atuação, inclusive na Amazônia, sem qualquer evento com dano ambiental. “Ainda que houvesse um vazamento de grande porte na perfuração (blowout), a probabilidade do óleo vazado atingir a costa amazônica é nula, de acordo com os mais modernos modelos computacionais de simulação de dispersão de fluidos elaborados pela empresa e aprovados pelo Ibama”, informa a empresa. “Já foram lançados na Margem Equatorial mais de 428 derivadores, sendo 84 na bacia da Foz do Amazonas. Os estudos demonstraram que as correntes marítimas seguiram direção em sentido contrário à costa brasileira”, disse ainda o texto, em contraponto ao levantamento do Greenpeace.
Por fim, a estatal destacou as ações que vem executando, como o projeto de Caracterização Ecológica de Sistemas Recifais da Bacia da Foz do Amazonas, no qual se realiza expedições científicas a bordo, uma cooperação entre Petrobras, Marinha do Brasil, Ministério da Ciência Tecnologia e Inovação (MCTI) e Serviço Geológico do Brasil (SGB). A próxima saída será no segundo trimestre de 2024.
Sobre a consulta prévia às comunidades, a Petrobras destaca “que não se aplica consulta prévia para a fase de perfuração de poços para identificação da existência de petróleo e gás na região. O momento adequado para realização de consulta prévia às comunidades tradicionais sobre a atividade de óleo e gás é após as descobertas, na fase de desenvolvimento da produção, caso a atividade for afetá-las diretamente”.
A expedição dá sequência ao trabalho dedicado à região que o Greenpeace começou ainda em 2017, a bordo do navio Esperanza, que, assim como veleiro Witness, é realocado a diferentes partes do mundo, conforme necessidades de pesquisa. Em parceria com instituições de pesquisa, a ONG usou submarinos e fez os primeiros registros em vídeo dos corais da Amazônia, o que se acredita ter influenciado na negativa dada pelo Ibama à petroleira francesa Total E&P, que tentava explorar petróleo na Foz do Rio Amazonas, em 2018.
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