Conta-se que um dirigente esportivo carioca chegou ao Vasco da Gama batendo carteira e, quando deixou o clube, havia se transformado em batedor de caixa-forte. O futebol não possibilita riqueza apenas a alguns jogadores — por sinal, há um funil, e por isso nem todo mundo fatura como Neymar. Há cartolas que, ao longo do tempo, se tornaram multimilionários. Dois deles, sogro e genro, viraram, de uma hora para outra, potentados e, apesar de ações judiciais, nunca foram condenados.
A história dos cartolas, para além do folclore, notadamente a respeito de Vicente Mateus (o da “faca de dois legumes” e “quem sai na chuva é para se queimar”) e Eurico Miranda, vale uma ampla investigação.
Livros e mais livros poderão ser escritos a respeito das riquezas e jogadas dos homens que, por vezes, roubam à farta e passam a mão, inclusive, no faturamento de jogadores (parças que, relativamente inocentes, são enganados). Conta-se que em Goiás um jogador foi vendido para o exterior, ganhou até uma boa grana, mas o dirigente que o comercializou potencializou a própria fortuna.
Há, claro, dirigentes honestos. Podem ser contados nos dedos da mão esquerda? Talvez existam mais. Hailê Pinheiro, do Goiás, era de uma decência rara. Rico, dedicou sua vida ao clube. Amava o time como se fosse um filho.
As mordomias do Papai Noel do futebol – A revista “Piauí” — ou “piauí”, com “p” minúsculo —, espécie de “New Yorker” dos alegres trópicos, faz reportagens densas sobre vários assuntos. Propriedade de um empresário bilionário, o intelectual João Moreira Sales, não precisa fazer certos “acordos de gabinete” com anunciantes e possíveis anunciantes.
Os jornalistas de sua redação comentam que têm liberdade para investigar qualquer pessoa do país. As informações são publicadas sem contemplação, mas com responsabilidade. As reportagens são bem documentadas.
Na sexta-feira, 4, a “Piauí” divulgou uma reportagem ampla sobre as diatribes, digamos assim, do baiano Ednaldo Rodrigues, de 71 anos, presidente da Confederação Brasileira de Futebol. A CBF já foi presidida pelos bem-sucedidos João Havelange e seu escudeiro — fiel? — Ricardo Teixeira.
Na Copa de 1970, no México — aquela em que Jairzinho, Tostão e Pelé encantaram o mundo, como deuses da bola —, o presidente da República, o tenebroso general Emilio Garrastazu Médici, colocou os coturnos e ordenou ao seu “auxiliar técnico”, João Havelange, que convocasse Dadá Maravilha, o Dario, nem que foi para a reserva.
Antes disso, Médici ordenara ao chefão da CBF a demissão do técnico João Saldanha, que montou o time para Zagallo brilhar. João Sem Medo era comunista. Pelo que diz a “Piauí”, Ednaldo Rodrigues, um idoso dos mais espertos, é um bon vivant. Mas nada egoísta. Com dinheiro da CBF — cuja receita líquida supera 1 bilhão de reais —, o cartola oferece boa vida, la dolce vita, para amigos do peito.
Na Copa do Mundo do Catar, no conflituoso Oriente Médio, 49 brasileiros foram premiados com mordomias oferecidas por Ednaldo Rodrigues, o Papai Noel da CBF. Alguns dos agraciados, revela a “Piauí”, “voaram para Doha de primeira classe” e se hospedaram em hotel cinco estrelas.
Um dos felizardos recebeu um cartão corporativo e pôde gastar 2,5 mil reais por dia. Paris — ops!, Doha — é mesmo uma festa.
Entre os beneficiados pelas mordomias da CBF, tutti buona gente, a “Piauí” cita o deputado federal José Alves Rocha (União Brasil-BA) e o senador Ciro Nogueira (pP. Coincidência, o político é do Piauí, o Estado). O primeiro viajou acompanhando da mulher. O segundo levou a namorada (que, dizem, mora em Goiânia).
Ednaldo Rodrigues não é Hemingway, mas transformou a CBF numa festa exclusiva. Ele recebe salário de 1 milhão de reais e, com uma canetada, aumentou os ganhos dos demais cartolas de 50 mil para 215 mil reais por mês. É filantropo da cartolagem patropi, “Piauí” conta que, apesar da boa vida concedida aos aliados, a CBF de Ednaldo Rodrigues cortou a verba para qualificar árbitros. Agora, os homens do apito recebem treinamento por meio de videoconferência. “É como se um clube contratasse um técnico europeu que ficasse treinando os jogadores lá da Europa. Não tem cabimento”, disse um árbitro à revista.
A arquiteta Luísa Xavier da Silveira move ação trabalhista contra a CBF e acusa Ednaldo Rodrigues de assédio moral. Ela também moveu ação, agora por assédio sexual, contra o ex-diretor de Comunicação Rodrigo Paiva (que nega) e Arnoldo de Oliveira Nazareth Filho (não apresentou sua versão à revista), ligado à Federação Amazonense de Futebol.
Se a Seleção Brasileira faz feio nas Eliminatórias — perdeu de 4 a 1 para a Argentina (para a Alemanha pode perder de 7 a 1, mas, para os hermanos, não, oh, não) —, Ednaldo Rodrigues faz “bonito” torrando o dinheiro da CBF, quer dizer, dos brasileiros. Até quando?