A morte do ex-presidente da república, Tancredo Neves, completa 40 anos hoje. No dia 21 de abril de 1985, o jornalista Antonio Brito comunicou, em rede nacional, a morte de Tancredo. “ “Lamento informar que o excelentíssimo senhor Presidente da República Tancredo de Almeida Neves faleceu esta noite, no Instituto do Coração, às 10 horas e 23 minutos”.
Naquele período conturbado, Tancredo, que foi eleito presidente pelo Colégio Eleitoral, havia se submetido a uma agenda de campanha bastante extenuante, articulando apoios do Congresso Nacional e dos governadores estaduais, viajando ao exterior na qualidade de presidente da República. Tancredo vinha sofrendo de fortes dores abdominais durante os dias que antecederam a posse. Aconselhado por médicos a procurar tratamento, teria dito: “Façam de mim o que quiserem – depois da posse!”
Tancredo temia que os militares da chamada “linha-dura” se recusassem a passar o poder ao vice-presidente, José Sarney. Decidiu só anunciar a doença no dia da posse, 15 de março, quando já estivessem em Brasília os chefes de Estado esperados para a cerimônia, com o que ficaria mais difícil uma ruptura política. A sua grande preocupação com a garantia da posse era respaldada pela frase que ouvira de Getúlio Vargas a esse respeito: “No Brasil, não basta vencer a eleição, é preciso ganhar a posse! ”
Adoeceu com fortes e repetidas dores abdominais durante uma cerimônia religiosa no Santuário Dom Bosco, em Brasília, na véspera da posse, em 14 de março de 1985. Foi, às pressas, internado no Hospital de Base do Distrito Federal. Tancredo disse a seu primo Francisco Dornelles, indicado à época para assumir o Ministério da Fazenda, que não se submeteria à operação caso não tivesse a garantia de que Figueiredo empossaria Sarney. Dornelles garantiu ao primo que Sarney seria empossado. As articulações para a posse de Sarney, de acordo com informações compiladas pela Fundação Getúlio Vargas (FGV), já estavam, naquele momento, sob a condução do então presidente da Câmara Ulysses Guimarães (PMDB-SP) e do ex-ministro-chefe da Casa Civil Leitão de Abreu.
Causa da morte- Devido às complicações cirúrgicas ocorridas (para as quais concorreram as péssimas condições ambientais do Hospital de Base do Distrito Federal, que estava com a Unidade de Tratamento Intensivo em obras), o estado de saúde se agravou, tendo de ser transferido em 26 de março para o Hospital das Clínicas de São Paulo. Um dia antes da transferência, foram divulgadas fotos de Tancredo no hospital, que deram a impressão de que ele estava melhorando, mas horas depois veio a notícia de que Tancredo estava com uma grave hemorragia. Em São Paulo, já muito debilitado e sofrendo, Tancredo teria dito: “Eu não merecia isso” ”
Durante todo o período em que ficou internado, Tancredo sofreu sete cirurgias, mas não resistiu e faleceu em 21 de abril, aos 75 anos, sem assumir a presidência da República. A versão oficial informava que fora vítima de uma diverticulite, mas apurações posteriores indicaram que se tratava de um leiomioma benigno, mas infectado. Os médicos esconderam até o fim a existência de um tumor, devido ao impacto que a palavra “câncer” poderia provocar à época.
Vinte anos após a morte, o corpo médico do Hospital de Base de Brasília revelou que não divulgou o laudo correto da doença à época. Uma grande parte da população acreditava que Tancredo morreu de infecção generalizada, mas em 2005 os médicos de São Paulo negaram isso. Em 2010, o pesquisador Luís Mir lançou um livro com depoimentos dos médicos e documentos obtidos no Hospital de Base de Brasília e no Instituto do Coração, em São Paulo, onde Tancredo morreu. No livro, o autor escreveu que Tancredo Neves foi vítima de vários erros médicos e que ele poderia ter sido empossado. Segundo as pesquisas de Luís Mir, na noite de 14 de março um jatinho estava preparado para levar Tancredo a São Paulo, mas os responsáveis em Brasília vetaram a viagem.
Ainda segundo o pesquisador, quando foram registradas as fotos de Tancredo no dia 25, que seriam para dar tranquilidade ao país, já havia um forte sangramento, devido a um erro técnico na sutura da primeira cirurgia. Segundo apurou também, uma técnica equivocada atingiu um vaso, causando hemorragia interna no intestino.
Em 2012, os filhos de Tancredo Neves entraram com o pedido de Habeas Data na Justiça Federal de Brasília para que o Conselho Federal de Medicina e o Conselho Regional do Distrito Federal entreguem todas as sindicâncias, inquéritos ético-disciplinares, documentos e depoimentos dos médicos referentes ao atendimento prestado ao presidente. A família Neves é representada pelo historiador e pesquisador Luís Mir, escritor do livro “O paciente, o caso Tancredo Neves”, e pelos advogados Juliana Porcaro Bisol, Bruno Prenholato, Cláudia Duarte. Segundo eles, a documentação requerida permitirá uma investigação histórica do que efetivamente aconteceu, inclusive com a identificação dos médicos responsáveis pelo atendimento do presidente. Até hoje a documentação não foi liberada. Luís Mir prometeu pedir a reabertura do processo ao Conselho Federal de Medicina e aos conselhos regionais de Brasília e de São Paulo.
José Sarney assumiu a Presidência em 15 de março de 1985, jurando a Constituição de 1967, no Congresso Nacional, aguardando o restabelecimento de Tancredo. Leu o discurso de posse que Tancredo havia escrito e que pregava conciliação nacional e a instalação de uma assembleia nacional constituinte. Em 21 de abril de 1986, exatamente um ano após a morte de Tancredo, foi sancionada a lei 7465/1986. A lei determina que Tancredo Neves deve estar na galeria dos Presidentes do Brasil, para todos os efeitos legais. Assim, apesar de Tancredo não ter tomado posse, a lei garantiu a ele o título de Presidente da República.
Enterro e sepultura – O epitáfio que o presidente eleito previra certa vez numa roda de amigos, em conversa no Senado, não chegou a ser gravado na lápide, no cemitério, ao lado da Igreja de São Francisco de Assis, em São João del-Rei: “Aqui jaz, muito a contragosto, Tancredo de Almeida Neves! ”
Seu enterro, em São João del-Rei, foi transmitido em rede nacional de televisão, tendo discursado, à beira do túmulo, o deputado federal Ulysses Silveira Guimarães, na época presidente da Câmara dos Deputados. No cemitério da Igreja de São Francisco há uma placa comemorativa da visita do presidente francês François Mitterrand, que conhecera Tancredo, quando este viajara à Europa. Em março de 2008 a sepultura de Tancredo foi violada e a peça de mármore da parte superior do túmulo foi quebrada.