Redes Sociais

Golpe

A La China. As Criptomoedas. RainbowEx. O Baile da Farsa. As Transações Falsas. O Golpe Bilionário 

Publicado

em

Em um churrasco no quintal de uma casa em San Pedro, Argentina, em maio passado, Rafael Flaiman notou que um amigo usava um blazer azul-claro um pouco sofisticado demais para a ocasião. Ele brincou com o amigo:

Qual é a do paletó? – perguntou Flaiman.

La China paga – respondeu o amigo, com um sorriso triunfante.

Flaiman cresceu em San Pedro, uma cidade ribeirinha de 70 mil habitantes que enfrenta dificuldades econômicas, e há 16 anos é repórter do jornal local ‘La Opinión’. Mas ele nunca tinha ouvido falar de ninguém chamado La China – que, em espanhol, significa “a chinesa”. No entanto, um punhado das 20 pessoas presentes no churrasco sabia tudo sobre essa figura misteriosa e estava ansioso para explicar como ela havia lhes rendido dinheiro.

Todas as noites, por volta das 21h, diziam eles, La China aparecia no canal do Telegram de uma corretora de criptomoedas chamada RainbowEx. Lá, ela enviava instruções para comprar um determinado tipo de criptomoeda – sempre uma moeda obscura e pouco negociada, conhecida no setor como memecoin – por um preço específico. Na mesma mensagem, dizia para vender a moeda assim que atingisse um valor mais alto, o que sempre acontecia logo depois. Era tão confiável quanto um relógio. Todos na RainbowEx compravam a moeda, o valor subia, todos vendiam. E assim os saldos em suas contas aumentavam. Ninguém sabia quem era La China, onde ela estava ou se ela realmente existia. Tudo o que se via era uma foto de uma jovem asiática no canal do Telegram da RainbowEx.

O crescimento do esquema – Havia céticos no churrasco também. Os investidores da RainbowEx recebiam 20% dos lucros de cada novo participante que recrutavam, indício clássico de esquema de pirâmide. Além disso, a corretora prometia rendimentos de até 2% ao dia, o que equivaleria a cerca de 137.000% ao ano – números completamente fantasiosos.

Flaiman, de 44 anos, ficou no churrasco até as 3h da manhã de domingo. No mesmo dia, Lilí Berardi, a editora do ‘La Opinión’, ouviu de um amigo que havia sido convidado a entrar na RainbowEx. Nas semanas seguintes, ela conheceu outros que já haviam investido. Quando questionava se não estavam preocupados com os riscos, recebia sempre a mesma

Mentalidade, assim como La China, logo viralizou. Nos meses seguintes, quase um quinto da população de San Pedro – cerca de 16 mil pessoas – investiria na RainbowEx, injetando dezenas de milhões de dólares na corretora. Os repórteres logo perceberam que o epicentro da RainbowEx era a fábrica de papel Papel Prensa, a maior fornecedora de papel jornal do país. Alguns funcionários começaram a se autointitular representantes locais de uma fundação chamada Knight Consortium, supostamente sediada em Cingapura e ligada à RainbowEx.

Mas o fenômeno não ficou restrito à cidade. Maximiliano Firtman, um desenvolvedor web e jornalista investigativo de Buenos Aires, que vinha pesquisando golpes financeiros, começou a receber denúncias sobre San Pedro. Em 15 de setembro, ele fez um alerta no X (antigo Twitter):

“Me dizem que em San Pedro, província de Buenos Aires, metade da cidade está presa a um esquema de pirâmide que promete rendimentos diários de 1,5%.” O post passou quase despercebido, mas Lili Berardi e Flaiman tomaram nota. Até aquele momento, eles ainda não haviam publicado nada sobre La China.

O baile da farsa – Os repórteres não imaginavam a dimensão do esquema até 21 de setembro, quando o Knight Consortium realizou um evento luxuoso no Hotel Emperador, em Buenos Aires. Tudo no evento sugeria que o Knight Consortium tinha dinheiro e liderança influente. La China estava supostamente ocupada demais para comparecer, mas dois executivos elegantemente vestidos – Timothy Murphy, diretor de marketing, e Jeremy Jones, diretor de operações – fizeram discursos e distribuíram cheques e placas douradas para os maiores recrutadores do esquema. Firtman analisou um vídeo do evento e usou um software de reconhecimento facial para identificar os supostos executivos. Um deles era uma correspondência parcial com um ator polonês chamado Filip Walcerz. O outro teve uma correspondência perfeita:

Quando examinou o código da RainbowEx, Firtman fez uma descoberta chocante: todas as transações eram falsas. As trocas noturnas de Tether por memecoins não passavam de encenação. Na realidade, fora a aquisição inicial de Tether, não havia compra ou venda de criptomoedas, nem lucro. Os saldos aumentavam apenas porque alguém dentro da RainbowEx manipulava os números. Era uma simulação elaborada que dependia exclusivamente da entrada de novos investidores. Os rendimentos que permitiam a compra de eletrodomésticos vinham, na verdade, do dinheiro de novas vítimas. Como todo esquema Ponzi, estava fadado ao colapso.

Em 1° de outubro, Firtman revelou suas descobertas em um programa de rádio nacional. No dia seguinte, o La Opinión publicou sua primeira matéria sobre La China: “Representantes do Knight Consortium em san Pedro garantem que isto não é um golpe”, dizia a manchete, citando fontes anônimas que soavam desesperadas.

Se essa primeira reportagem foi cautelosa, no dia 5 de outubro, o jornal foi direto ao ponto: RainbowEx era um esquema de pirâmide. Dois dias depois, o Clarin, maior jornal da Argentina, publicou uma matéria de Firtman revelando que os dois “executivos” do Knight Consortium eram atores poloneses, um deles com participações em novelas espanholas e polonesas.

Repentinamente exposta, a RainbowEX bloqueou saques de investidores. Na semana seguinte, La China anunciou que a corretora precisaria sair do país e migraria para um novo site, Rainbow PRO. Para manter suas contas ativas, os investidores deveriam enviar US$ 88 em Tether. Cerca de 2.600 pessoas pagaram o valor – um total de mais de US$ 220 mil, que também sumiu. Em 19 de dezembro, a promotoria de San Pedro realizou buscas em 22 locais e prendeu sete pessoas. Entre os detidos estava Luis Pardo, de 31 anos, ex-funcionário da fábrica de papel. Registros mostraram que ele sacou mais de US$ 200 mil do esquema.

Pardo e outros dois moradores de San Pedro permanecem presos por fraude. A mulher cuja imagem foi usada como La China se manifestou de Taiwan via Instagram:

– Minha foto foi roubada. Eu não tenho nada a ver com a RainbowEx. Os atores poloneses disseram que foram contratados por uma mulher chamada Ashli, de uma agência de talentos asiática, que lhes pagou US$ 1.500 em criptomoedas para atuarem em Buenos Aires.

O especialista em crimes cibernéticos Mauro Eldritch revelou que a RainbowEx não era um caso isolado. Ele identificou variações do golpe na África, Europa, Ásia e América do Norte, incluindo estados dos EUA como Alabama e Washington. Atualmente, pelo menos 200 versões do esquema estão ativas. Berardi ainda reflete sobre o rastro de destruição deixado por La China em San Pedro. Ela não sabe se as relações na cidade serão restauradas — e duvida que a lição tenha sido aprendida. Recentemente, uma moradora lhe disse que investiu em algo chamado CryptoMaster, tentando recuperar o que perdeu com a RainbowEx. O CryptoMaster já colapsou. E a vida continua…

Todos os direitos reservados © 2022 O Antagônico - .As Notícias que a grande mídia paraense não publica.
Jornalista responsável: Evandro Corrêa- DRT 1976