Na Bíblia, “Canaã” era apontada como a “terra prometida” dos judeus, um lugar onde “mana leite e mel”, segundo o livro do Deuteronômio. Já Canaã dos Carajás, no sudeste do Pará, com 75 mil habitantes, virou o “paraíso” da mineração e do garimpo ilegal de ouro e cobre.
Desde que a Vale começou a extrair minério de ferro, no fim de 2016, o PIB da cidade se multiplicou por oito, atingindo R$ 22 bilhões em 2020 – mais do que o produto interno bruto do estado de Roraima. E o crescimento acelerado tende a se manter com novos investimentos da mineradora brasileira e a chegada da anglo-australiana BHP, que comprou a concorrente OZ Minerals.
A transação é de US$ 9,6 bilhões.A OZ Minerals tem uma mina no município de Água Azul do Norte, a 121 km de Canaã dos Carajás, com capacidade de extrair 720 mil toneladas ao ano de cobre e ouro por meio de lavra subterrânea. A empresa ainda possui o projeto Pantera, no município de Ourilândia (PA), e atua na exploração de ouro em Gurupi (MA).
Na esteira da expansão minerária, a atividade garimpeira ilegal também cresce. A terra no entorno de uma mina irregular de exploração de cobre, na área rural do município, brilha como se alguém tivesse derramado purpurina. Bem próximo às minas subterrâneas de cobre no entorno da mina do Sossego, da Vale, há uma lavra de ouro, a céu aberto. “Aqui até no asfalto tem ouro”, afirma um garimpeiro, garantindo que não está exagerando. A terra que a prefeitura coleta para fazer asfalto é rica em minerais, explica.
O cobre e o ouro clandestinos de Canaã dos Carajás são vendidos a “chineses”, que escoam a produção pelos terminais portuários de Barcarena (PA). É lá que a Agência Nacional de Mineração (ANM) concentra ações de repressão, tentando sufocar o financiamento da atividade vindo do exterior.A 110 quilômetros de Canaã dos Carajás está um símbolo “maldito” do garimpo nacional: Serra Pelada, uma vila da cidade de Curionópolis, também no Pará.
Se nos anos 1970 e 1980 as imagens de um verdadeiro “formigueiro humano” de pessoas em busca de ouro invadiam o noticiário, hoje o local é um retrato da decadência de quem fez fortuna, dobrou a aposta, faliu e até hoje cultiva a obsessão de achar ouro novamente. Documento produzido pelo Ministério Público Federal (MPF) revela que a mineração ilegal de ouro está presente em praticamente todos os estados da Amazônia Legal.
Normalmente, a atividade irregular está camuflada sob o título de “garimpo”. Elaborado por procuradores da República integrantes da Força-Tarefa Amazônia e por procuradores do Trabalho, o estudo “Mineração Ilegal de Ouro na Amazônia: Marcos Jurídicos e Questões Controversas” mostra que o ouro “esvai-se pelas fronteiras com pouco ou nenhum controle das agências públicas, ao mesmo tempo que recursos hídricos são contaminados por mercúrio e parcelas da floresta são postas abaixo na busca por novos veios, e o tão prometido desenvolvimento econômico não chega”.
Fonte : Valor Econômico