A Cargill, empresa com forte atuação em Santárem, tornou-se alvo de uma queixa na Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE), sob a acusação de falhar na aplicação de uma due diligence socioambiental “apropriada” em sua cadeia de fornecimento de soja no Brasil. A reclamação foi feita pela organização ClientEarth, que notabilizou-se por impulsionar ações de litigância climática contra governos e empresas, como a Shell, ao redor do mundo. A Cargill disse que tem controles e equipes próprios para evitar que sua cadeia seja contaminada por desmatamento e violações aos direitos humanos.
A queixa, apresentada ao Ponto Nacional de Contato da OCDE nos Estados Unidos, país-sede da Cargill, baseia-se em diversas denúncias feitas nos últimos anos por diferentes ONGs e movimentos sociais relacionadas aos impactos socioambientais da soja movimentada pela companhia no Brasil. A denúncia da ClientEarth não tem caráter jurídico, mas é a iniciaiva mais próxima de uma ação de litigância climática a que uma gigante do agronegócio responde globalmente.
A OCDE tem uma cartilha para multinacionais que orienta a implementação de mecanismos internos de due diligence, também recomendados pelos Princípios Orientadores da ONU sobre Empresas e Direitos Humanos e pela Declaração Tripartite de Princípios da Organização Internacional do Trabalho (OIT) sobre Empresas Multinacionais e Política Social. Para empresas do agronegócio, a OCDE desenvolveu orientações específicas junto com a FAO.
Para a ClientEarth, a Cargill não está seguindo adequadamente as orientações da OCDE ao não conduzir “due diligence ambiental apropriada” na soja que compra de forma indireta no Brasil. A organização também avalia que a companhia está falhando em aplicar uma due diligence apropriada na soja originada direta e indiretamente no Cerrado e na Mata Atlântica.
A ONG afirma ainda que a múlti deveria praticar due diligence na soja que é movimentada (carga, descarga e armazenamento) em seus terminais portuários, ainda que seja comprada e vendida por outras tradings. A organização diz, além disso, que a Cargill está falhando em “conduzir due diligence ambiental adequada” sobre seu impacto em mudança indireta de uso da terra e em “conduzir due diligence adequada” sobre direitos humanos em sua cadeia de soja e em suas operações no geral no Brasil.
“Fizemos uma revisão das políticas e procedimentos [da Cargill] e encontramos sérias deficiências”, afirmou Laura Dowley, advogada da ClientEarth, ao Valor. Segundo ela, o problema não são os compromissos e metas, mas sim os meios pelos quais a Cargill se propõe a alcançá-los. “Eles não tem políticas suficientes para atender seus compromissos e, em alguns casos, não encontramos nenhuma política”, afirma, citando a falta de orientação para avaliar a origem da soja movimentada por terceiros em seus terminais portuários.
Diferentemente de uma política interna de compras, por exemplo, uma due diligence deve ser conduzida por uma equipe especializada mapeando todos os fornecedores, diretos ou não, seguida de uma avaliação de risco individualizada e um posterior ranqueamento, explica Carlos Flavio Lopes, diretor da StoneTurn, boutique especializada em analise de riscos. Com a denúncia, a ClientEarth quer que se instaure um processo de mediação que leve a Cargill a se comprometer com o estabelecimento de uma política de due diligence de sua cadeia que analise riscos e implemente estratégias para responder a eles.
Outro lado
A Cargill afirmou que, “em linha com o seu compromisso inabalável em eliminar o desmatamento e a conversão em sua cadeia na América do Sul, não compra soja de agricultores que desmatam terras em áreas protegidas e tem controles implementados para impedir que produtos não conformes entrem em suas cadeias de abastecimento. Se encontrarmos qualquer violação de nossas políticas, tomaremos medidas imediatas de acordo com nosso processo de denúncias”.
Questionada se possui um processo de due diligence, a companhia não respondeu se possui esta área específica, mas disse que “tem equipes dedicadas” a identificar e gerenciar os riscos em sua cadeia. Em seu relatório ESG de 2022, a Cargill informa que concluiu o mapeamento de todos os seus fornecedores diretos no Brasil, mas ainda não encerrou o das compras indiretas.
A companhia diz que, para isso, precisa do engajamento de seus fornecedores diretos e que está trabalhando com 18 cooperativas que representam 76% da soja comprada indiretamente no país “para entender mais sobre a soja que nos vendem”. A Cargill não respondeu se pratica due diligence da soja movimentada em seus terminais nem dos impactos indiretos sobre o uso da terra.
Fonte – Valor Econômico