As cidades brasileiras mineradoras e impactadas pela atividade estão há dois meses sem receber os repasses da Compensação Financeira pela Exploração Mineral (Cfem). A falta de pagamento dos royalties de maio e junho preocupa a Associação dos Municípios Mineradores de Minas Gerais e do Brasil (Amig).
A entidade ressalta que a contribuição é uma das principais fontes orçamentárias das regiões, que já amargam prejuízos com o atraso. O consultor de Relações Institucionais e Desenvolvimento Econômico da Amig, Waldir Salvador, afirma que os danos aos municípios podem, inclusive, se transformar em crimes de responsabilidade.
Isso porque as prefeituras destinam o montante da Cfem para algumas áreas específicas e não podem, simplesmente, mudar a fonte de pagamento dos serviços por não receberem os valores. Como os repasses não chegam, não é possível honrar os compromissos.
Conforme Salvador, a Agência Nacional de Mineração (ANM), responsável pela transferência dos royalties, não tem nenhuma culpa sobre o atraso, embora parte dos funcionários esteja em estado de greve há cerca de quarenta dias. Os profissionais se queixam de sucateamento e reivindicam uma reestruturação do órgão com a abertura de novos concursos e a equiparação salarial frente às outras agências reguladoras.
Para o consultor da Amig, a situação da ANM é um reflexo do abandono do Brasil com relação aos órgãos de controle da mineração. De acordo com ele, a agência vive um cenário “calamitoso e assustador”, com salários defasados, falta de pessoal e inexistência de estrutura adequada para o trabalho. E o governo federal, bem como o Ministério de Minas e Energia (MME), responsável pela área, permanece inerte, sem se manifestar e tomar medidas.
O consultor explica que essa situação ocorre justamente por conta de uma desestruturação da ANM, algo que vem acontecendo há mais ou menos 25 anos e perpassando por todas as gestões governamentais. Salvador salienta que os 7% dos royalties, previstos em lei para repasse à ANM, nunca foram transferidos de forma integral. Conforme ele, o governo federal repassou, no máximo, 2% do valor, o que o torna o maior descumpridor da legislação.
Segundo Salvador, são mais de 15 anos sem que o País realize um concurso público, mesmo com 1.006 cargos vagos para serem ocupados. E são cerca de 600 pessoas na ANM para fiscalizar 34 mil títulos minerários, o que representa em torno de um terço do que havia há uma década. Ainda conforme o consultor, o descaso é tão grande que os funcionários do órgão estavam tendo que fazer planilhas de repasse manualmente por falta de sistema na agência.
Conforme Salvador, acidentes como o de Mariana e Brumadinho são resultado da desestruturação da ANM. O consultor explica que, como não há quem regule e fiscalize, as mineradoras começaram a se autorregular e “funcionar como acham que devem”.
Além disso, ele diz que existe um impacto de sonegação, visto que para cada real da Cfem recolhido tem pelo menos mais um sonegado, conforme dados do Tribunal de Contas da União (TCU). E o cenário pode se agravar ainda mais. Segundo o consultor, por falta de estrutura na agência, alvarás começarão a não serem concedidos às mineradoras, o que impactará em perda de investimento.
“Não tem uma fala do ministro de Minas e Energia dizendo que resolveu ou que foi na Presidência da República, que brigou pela agência, porque ele é o chefe da casa e deveria ser o maior interessado para que ela funcione com qualidade. Então é lamentável. É o pior quadro que já vimos da regulação e fiscalização da mineração brasileira”, salienta.
Por meio de nota a ANM disse, que a Cfem referente aos recolhimentos de maio não foi distribuída “devido aos problemas identificados na conciliação de boletos do obsoleto sistema de arrecadação da agência, que vem apresentando inconsistências e se deteriorando ao longo do tempo”.
O órgão também ressaltou que parte dos problemas já foi resolvida e, agora, está verificando a conciliação entre os dados registrados no Sistema de Gestão do Recolhimento da União (Sisgru), a base de boletos da Cfem e o arquivo gerado para fins de distribuição.
Com relação a quando, de fato, será feita a transferência, a agência reguladora afirmou que para os municípios e estados onde ocorre a produção, será efetuada assim que os problemas no sistema forem solucionados.
Já as cidades impactadas pela mineração, a ANM informou que não há previsão para os repasses, “uma vez que não foi publicado o decreto que estabelece as regras básicas e parâmetros para a distribuição da Cfem a essas localidades”.
Por outro lado, o MME, questionado sobre o que tem feito para solucionar o sucateamento da agência, bem como quando a Pasta se reunirá com a Amig para debater tais assuntos, se limitou a sugerir que a reportagem entrasse em contato com a ANM.