Floresta em Chamas
Moju. A Floresta em Chamas. A Prefeita no Azerbaijão. O Intercept e o Clamor
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O AntagônicoDeu no Intercept: Enquanto descíamos o rio da cidade de Moju, no Pará, encontramos quatro dos 11 filhos de Maria de Nazaré, a dona Zazá. Um deles, Denilson Sousa Moraes, 36 anos, contou que estavam em uma batalha de mais de 15 dias para proteger dos incêndios o seu sustento: uma plantação de açaí que garante a renda semanal de até R$ 1.600 para toda família. Entre os combatentes das chamas, estavam também os filhos adolescentes de Moraes: Denis, 14 anos, e Daniel, 12 anos. Eles tiveram de faltar à escola para ajudar a salvar o açaizal. O mais novo completou 12 anos no dia em que estivemos em Moju. “Era pra estarmos comemorando o aniversário dele, mas estamos aqui enfrentando o fogo”, desabafou o pai.
A família não foi a única a ter de parar a vida por causa dos incêndios que castigam a cidade, que fica a 190 quilômetros de Belém, há dois meses. Idosos, grávidas e mães com bebês recém-nascidos tiveram de deixar suas casas nas áreas ribeirinhas, as mais afetadas, por conta da fumaça. Plantações foram queimadas; animais, carbonizados e até uma escola municipal foi ameaçada pelas chamas. Diante da falta de ação do poder público, a própria população teve de se organizar para conseguir controlar o fogo. Enquanto isso, a prefeita Nilma Lima, do MDB, estava na COP29, a Conferência do Clima da ONU, que aconteceu entre 11 e 22 de novembro em Baku, no Azerbaijão. Durante a viagem, ela acompanhou o marido, Iran Lima, que é deputado estadual pelo Pará, também pelo MDB.
Questionada pela reportagem, a prefeita informou que esteve em Baku entre 11 a 17 de novembro e que ela mesma financiou os custos da viagem. Ela afirmou que não participou de nenhuma reunião ou agenda oficial sobre a COP30, que ocorrerá em Belém no próximo ano. “O que eu posso te dizer é que oficialmente a gente saiu de lá com aprendizado, graças a Deus. Fomos para lá na comitiva do governador [Helder Barbalho, do MDB], participando do consórcio, vendo, escutando, ouvindo, aprendendo e trazendo também informações.”
A prefeita se refere ao Consórcio da Amazônia Legal, entidade pública que reúne os nove estados da região para fortalecer a cooperação entre eles. Ela e o marido fizeram vários posts em conjunto em Baku, alguns com referência ao órgão. Em um deles, contam que “o #COP30Day foi realizado dentro do Consórcio da Amazônia Legal e o nosso time, liderado pelo governador pelo nosso governador, mostrou que o Pará está pronto e preparado e para fazer da COP30 a maior COP de todos os tempos”. No entanto, a entidade afirmou ao Intercept Brasil que “não há qualquer vínculo institucional entre os referidos políticos [Nilma e Iran Lima] e o Consórcio da Amazônia Legal”. A prefeita informou ainda que os custos de viagem de seu marido, e dos 16 outros deputados paraenses presentes, ficaram a cargo da Assembleia Legislativa do Pará.
A viagem da prefeita – que cumpre seu segundo mandato – em meio à crise causada pelos incêndios em Moju revoltou alguns moradores. “É importante participar de eventos globais, mas de que adianta falar sobre o futuro do clima se o presente está pegando fogo?”, questionou a estudante de jornalismo Eduarda Castro, 21 anos. “Estamos vivendo uma situação desesperadora aqui em Moju. As comunidades estão sozinhas, sem apoio, e é como se ninguém nos enxergasse.” Para a estudante, a participação dos representantes locais na COP29 precisa se traduzir em políticas que atendam às necessidades reais dos moradores. “As queimadas mostram que há uma desconexão enorme entre quem toma as decisões e quem sente as consequências”, afirma Castro.
Henrique dos Santos Cardoso, 54 anos, conhecido como Lourival, também se revoltou, visto que só não perdeu toda sua roça porque contou com a solidariedade dos vizinhos, que o ajudaram durante duas semanas no combate ao fogo. Ofegante enquanto colhia mandioca para produzir farinha, ele disse que não teve nenhum apoio do município. “Se nós largássemos de mão, tinha perdido tudo. Bombeiro? Nada, não veio nem espiar. A prefeita? Tá dormindo”, desabafou. A prefeita informou ao Intercept que foram tomadas ações de combate ao fogo e alegou que as equipes de bombeiros da cidade são insuficientes diante da magnitude dos incêndios. “Mesmo pequenas, as equipes atuaram. A gente tentou combater, estar com o Estado, a Defesa Civil, bombeiros, Guarda Municipal. Mas a gente sabe que esses focos também podem ser criminosos, né?”, disse a prefeita, sem detalhar que tipo de apoio obteve ou solicitou do governo estadual.
Depois que informamos que os ribeirinhos entrevistados reclamaram da falta de atuação do poder público para combater o fogo, Nilma Lima enviou fotos à reportagem mostrando bombeiros trabalhando no dia 19 de novembro. Questionada se essa ação teria sido apenas pontual, a prefeita respondeu: “Quem apagou o fogo então? Foram só os coitados do pessoal que mora lá? Não tem condições. Talvez numa atuação que não foi mais eficaz por falta de equipe maior, mas [os bombeiros] fizeram a parte deles”, disse. De acordo com Andreia Barreto, que é Defensora Pública Agroambiental do Pará, a responsabilidade nos casos de queimadas e incêndios florestais é compartilhada entre órgãos de todas as esferas. “Qualquer pessoa ou associação pode demandar ajuda diretamente do Corpo de Bombeiros e de órgãos ambientais, tanto municipais quanto estaduais. Neste caso [de Moju], seria a Semas [Secretaria de Estado de Meio Ambiente e Sustentabilidade, do Pará]”, declarou.
Caso haja omissão, órgãos de esferas superiores podem ser acionados ou atuarem para cobrar os responsáveis, como o Ministério Público. Entramos em contato com a Semas e o Corpo de Bombeiros de Moju e questionamos o que foi feito para combater os incêndios na cidade, mas não tivemos resposta. Em um outro post no Instagram sobre a COP29 feito em colaboração com o marido, a prefeita Nilma Lima contou que os dois assistiram a um documentário “sobre as mudanças climáticas e os investimentos feito (sic) para mitigar o avanço dessas mudanças”. Enquanto isso, a 11 mil quilômetros dali, o mesmo drama projetado no filme a que Nilma assistia era realidade em sua cidade, e os moradores de Moju reclamavam do descaso da prefeitura em relação a impactos das mudanças climáticas que eles jamais tinham presenciado. “Nunca isso aconteceu. Tenho 65 anos, vivendo sempre aqui no Moju, e é a primeira vez. Fico pasma”, dona Zazá, que dedicou sua vida ao trabalho no roçado, especialmente à plantação de açaí. Ela contou, chocada, sobre como as chamas destruíram parte de seu açaizal. Disse achar que o fogo pode ter sido causado pela queima da vegetação de áreas alagadas, o “piri” – o fogo controlado usado nessa prática agrícola tradicional pode, com ventos fortes e outras mudanças climáticas, ter se espalhado.
As queimadas em Moju não têm afetado apenas a floresta e as roças ribeirinhas. O cotidiano escolar de crianças da região também foi afetado – apenas na região da cidade conhecida como Comunidade de Pedreira, mais de 120 crianças ficaram sem aula. Uma família relata que os filhos perderam uma semana de estudo devido à fumaça intensa. “Eles já perderam prova, perderam aula, é difícil.”, explicou Dorivaldo da Silva Rodrigues, 31 anos, lamentando o impacto do fogo no aprendizado das crianças. Sem poder ir para a aula, Elias da Silva Mesquita, 9 anos, e Maria Clara Rodrigues Borges, 6 anos, disseram ter ficado tristes por estarem longe dos amigos. Segundo Dorivaldo, toda a comunidade que depende da escola municipal de ensino fundamental Pedreira teve que ficar em casa por uma semana até que a própria população combatesse o fogo próximo do colégio para que a fumaça desse uma trégua e as atividades pudessem ser retomadas. Outro estudante que também perdeu aulas e provas foi Daniel Belém Maciel, 17 anos. Ele faltou aula durante uma semana para combater os incêndios próximos de sua casa. “O combate começava pela manhã todos os dias e ia até às 4h da manhã”, contou.
Depois da tempestade, mais fogo – Um dia antes de deixarmos Moju, uma grande tempestade derrubou a energia da região, mas apagou parte das chamas. Enquanto visitávamos a Comunidade da Pedreira, todas as casas estavam sem energia elétrica, que só voltou um dia depois. Ali, alguns moradores relataram ter recebido a visita de uma mulher que se identificou como assistente social, acompanhada de um grupo que dizia ser da Secretaria do Meio Ambiente. Eles explicaram aos moradores que estavam realizando o cadastro das famílias que tiveram perdas de suas plantações.
Mariana Trindade, 41 anos, produtora rural e dona de um pequeno comércio ribeirinho, reclamou da ausência de ações concretas do poder público. “Essa mulher veio, tirou foto da gente aqui na casa, pegou nossos documentos, mas nem chegou a ir na roça ver o que foi perdido. Disse que não dava tempo”, contou. A agricultora, que trabalha com o esposo para sustentar a família, não escondeu a frustração. “A gente perdeu muito e só quer uma ajuda pra recomeçar. Eles nem disseram se vão pagar alguma coisa”, lamentou.
O marido dela, João Paulino dos Santos Cardoso, 56 anos, disse que a visita do grupo durou cinco minutos e ninguém falou que tipo de ajuda seria disponibilizada. “Só tirou foto nossa, pegou os números de documento e nosso telefone”. O produtor de farinha Jorge Machado, 52 anos, também recebeu a visita, mas segue sem saber se receberá algo para compensar suas perdas.