O Amazonas vive um ciclo anual de cheias e secas nos rios, mas em 2025 esse padrão tem se mostrado diferente. Em julho, mês em que o Rio Negro normalmente começa a baixar, o nível da água em Manaus continua subindo e alcançou 29,04 metros na sexta-feira (4), segundo o Porto da capital — situação que não ocorria desde 2014. Apesar da elevação, o Serviço Geológico do Brasil (SGB) avalia que o Rio Negro não deve atingir a marca histórica de 30,02 metros, registrada em 2021. Além da capital, o nível dos rios também continua subindo em cidades como Itacoatiara, banhada pelo Rio Amazonas, e Manacapuru, às margens do Rio Solimões.
De acordo com a pesquisadora em Geociências e superintendente regional do Serviço Geológico do Brasil, Jussara Cury, a cheia prolongada em Manaus é resultado direto de dois fatores principais: o acúmulo de chuvas na parte norte da bacia amazônica e o represamento natural causado pelo Rio Solimões, que ainda apresenta níveis elevados. “Nesse momento, estamos com chuvas concentradas na parte norte da bacia, o que inclui sub-bacias como a do Rio Negro e do Branco. Esse volume de água está sendo represado pelos níveis ainda altos do Solimões. Como os dois rios se encontram na região metropolitana de Manaus, o Rio Negro acaba ficando parado, sem conseguir escoar”, explicou.
Além disso, o fenômeno não se restringe à capital. Os altos níveis do rio também são observados em cidades localizadas antes de Manaus, no caminho que o rio percorre até a capital, como Manacapuru, e também depois de Manaus, no sentido que o rio segue, como Itacoatiara. “Temos registros de cotas acima de 29 metros não só em Manaus, mas também em Manacapuru e Itacoatiara. Isso mostra uma estabilidade dos níveis em toda essa área da bacia, dificultando o início da vazante”, esclareceu Jussara.
As chuvas em pleno mês de julho causam estranhamento, mas, segundo pesquisadora, estavam previstas nos boletins climáticos e têm origem em influências oceânicas. “Essas chuvas agora em julho parecem atípicas, mas estavam previstas nos boletins climáticos. Elas são influenciadas pelo Atlântico, que tem trazido mais umidade para a região.”
Comparação com anos anteriores – O comportamento dos rios neste ano lembra outros episódios de cheia tardia. Jussara cita 2014 e 2009 como os casos mais semelhantes. “O ano mais próximo em que tivemos um pico de cheia tão tardio foi 2014, quando o rio também ficou parado por alguns dias em julho com cotas altas. Outro caso foi 2009, que até pouco tempo era considerada a segunda maior cheia da região”, disse.
A pesquisadora também explicou a estabilidade dos rios na região e a aproximação da vazante: “Essa oscilação de um centímetro por dia em Manaus indica que o rio está estável e em transição para o início da descida. O Alto Solimões já começou a baixar, e essa tendência deve chegar à região de Manaus nos próximos dias”, concluiu.
Situação atual no estado – De acordo com o último boletim do Comitê Permanente de Enfrentamento a Eventos Climáticos e Ambientais, 133.711 famílias foram atingidas — cerca de 534 mil pessoas afetadas diretamente.
As nove calhas de rios do Amazonas seguem em processo de cheia, com picos variando entre março e julho. Segundo os decretos municipais 40 cidades estão em Situação de Emergência, 18 em Alerta e 4 em normalidade. Para enfrentar a situação, o Governo do Amazonas já enviou:
580 toneladas de cestas básicas
2.450 caixas d’água de 500 litros
57 mil copos de água potável
10 kits purificadores do programa Água Boa
1 Estação de Tratamento Móvel (Etam)
O apoio tem alcançado principalmente municípios como Humaitá, Manicoré, Apuí, Boca do Acre, Novo Aripuanã, Borba, Anamã, entre outros. Na área da educação, 444 alunos foram impactados em quatro municípios — Anamã, Itacoatiara, Novo Aripuanã e Uarini — e seguem com aulas remotas pelo programa “Aula em Casa”.
Em Manaus, a prefeitura intensificou ações emergenciais nos bairros mais afetados, como Educandos, São Jorge, Matinha, Presidente Vargas e Mauazinho. No bairro Educandos, mais de 800 metros de pontes provisórias já foram construídos, para garantir o acesso da população a escolas, igrejas e serviços essenciais.A entrega de cestas básicas, kits de higiene e água potável está prevista para a próxima semana.
Segundo a Defesa Civil de Manaus, não será necessário o deslocamento de moradores, já que as estruturas emergenciais oferecem segurança e mobilidade. A prefeitura também monitora a situação das áreas rurais e prepara um plano habitacional que prevê a entrega de mais de 15 mil moradias nos próximos quatro anos, parte delas destinadas a famílias que vivem em áreas de risco.
Com o aumento do volume de chuvas, a Secretaria Municipal de Limpeza Urbana (Semulsp) recolheu 2.559 toneladas de lixo entre janeiro e maio e barrou 1.359 toneladas de resíduos com ecobarreiras para evitar a poluição dos igarapés e do Rio Negro. A assistência social continua com a entrega de alimentos, colchões e kits de higiene para famílias em situação de vulnerabilidade.
A Defesa Civil estadual segue com o monitoramento contínuo dos rios por meio do Centro de Monitoramento e Alerta. Em caso de emergência, a população pode acionar o órgão pelo número 199 ou pelo telefone alternativo (92) 98802-3547.Veja abaixo as cotas máximas e mínimas dos rios em municípios do estado que seguem em cheia, segundo dados da Defesa Civil desta sexta-feira (4).
Fonte Boa (Médio Solimões)
Cota atual: 21,57 metros
Cota mínima registrada: 7,12 metros (em 2024)
Manacapuru (Baixo Solimões)
Cota atual: 19,75 metros
Cota mínima registrada: 2,06 metros (em 2024)
Itacoatiara (Médio Amazonas)
Cota atual: 14,42 metros
Cota mínima registrada: -0,14 metro (em 2024)
Parintins (Baixo Amazonas)
Cota atual: 8,42 metros
Cota mínima registrada: -2,68 metros (em 2024)
Manaus (Rio Negro
)Cota atual: 29,04 metros
Cota mínima registrada: 12,11 metros (em 2024)
Segundo o SGB, as chuvas que caíram em Manaus e em outras cidades da região nos últimos dias influenciaram diretamente a elevação das águas. Com o avanço da cheia, 40 dos 62 municípios do estado estão em situação de emergência. Ao todo, mais de 530 mil pessoas já foram afetadas.