Uma das derrotas mais sentidas por organizações, ativistas ambientais e meio indigenista com a aprovação da Medida Provisória (MP) 1154 está no deslocamento forçado do Cadastro Ambiental Rural (CAR) do Ministério do Meio Ambiente e Mudança Climática para o de Orçamento e Gestão. A MP 1154 institui a estrutura dos ministérios no atual mandato presidencial e foi apreciada por uma comissão mista, formada por deputados e senadores. “Embora não devesse ser confundido com um cartório patrimonial, o registro no CAR tem sido usado para subsidiar a grilagem de terras públicas”, diz Márcio Santilli, do Instituto Socioambiental (ISA). Na opinião dos especialistas, a mudança promovida pela MP reforça essa característica deturpada do CAR.
Para servir à política florestal, o CAR deveria ser gerido pelo Serviço Florestal Brasileiro (SFB), no âmbito da política ambiental do Ministério do Meio Ambiente e Mudança Climática. Na semana passada, a MP 1154 foi aprovada na Câmara; pelo Senado, no dia seguinte, com alterações provocadas por setores aliados ligados aos ruralistas, aos parlamentares da mineração e interessados em terras públicas. Para estes deputados e senadores, o CAR deveria ir para o Ministério da Agricultura, mas as negociações tangidas pela bancada governista acharam por bem uma terceira via e o Ministério do Orçamento e Gestão acabou sendo o destino do CAR.
O relator da MP na Câmara, deputado Isnaldo Bulhões (MDB-AL), entende que a vinculação do CAR e de outras bases de dados ambientais no Ministério da Gestão foi uma opção intermediária, já que a bancada ruralista pleiteava a sua subordinação à Agricultura. O Senado pouco pode fazer quanto ao texto que recebeu, posto que se esgotou o prazo de 120 dias para a aprovação da medida, sem a qual a estrutura de governo seria derrubada, passando a vigorar a do governo anterior.
Decisão técnica?
Santilli ressalta a saída narrativa de Bulhões, que considerou a decisão como “técnica”, contra o suposto viés político que lhes poderiam dar tanto o Meio Ambiente quanto a Agricultura. “Mas a questão não é essa. Todos esses dados são públicos e podem ser usados por organizações públicas e privadas como lhes aprouver. A questão é que o CAR foi instituído pelo Código Florestal para operar como instrumento da política florestal. A questão é de funcionar ou de não funcionar. E para servir à política florestal, o CAR deveria estar sendo gerido pelo Serviço Florestal Brasileiro (SFB), no âmbito da política ambiental”, diz em artigo.
Para Santilli, ex-deputado e ex-presidente da Fundação Nacional do Índio (Funai), o Ministério da Gestão “tem como foco o funcionamento da máquina federal, bastante debilitado nos últimos anos. Sua tarefa é gigantesca e não tem a ver com bases de dados públicos, o que é um equívoco básico”. Com vasta experiência no assunto, sendo um dos fundadores do ISA, Santilli acha pouco provável a ocorrência de vetos presidenciais e a viabilidade de eventuais recursos ao Supremo Tribunal Federal (STF).
Análise do governo
“Agora, o governo deve analisar detalhadamente o que pode ser vetado ou modificado, para reduzir os prejuízos nas pastas do Meio Ambiente e dos Povos Indígenas”, afirma Luiza Lima, do Greenpeace. Para ela, o mais importante será fazer com que estas mudanças não sejam empecilhos para a implementação da agenda ambiental e indígena prioritária. “Os ruralistas seguirão tentando, mas não conseguirão impor um projeto de retrocessos em uma sociedade que deseja o futuro”, completa.
De 2012, o CAR foi instituído como uma espécie de compensação à reforma do Código Florestal de 1965, que enfraqueceu a proteção das florestas em áreas privadas e anistiou a maior parte dos passivos ambientais acumulados durante a sua vigência. Santilli recorda que a narrativa então construída foi a de que, dali para a frente, o CAR seria um instrumento vivo, orientador dos Programas de Regularização Ambiental (PRAs) estaduais e da aplicação efetiva da lei reformada no chão.
No entanto, o Código Florestal voltou a ser alterado outras sete vezes desde 2012, com sucessivos adiamentos do prazo para a efetivação do CAR e dos PRAs. “Sem verificação e validação dos dados, a inscrição de propriedades no CAR foi se reduzindo a um registro numa espécie de cartório paralelo, que supostamente atesta, sem testar, a sua regularidade com a legislação ambiental”, aponta Santilli.
Alternativa
Com a estagnação do CAR, defende Santilli, e sem prejuízo do uso dos dados nele disponíveis, o Ministério do Meio Ambiente deve avaliar a viabilidade de construir, no âmbito do SFB, uma base de dados de ativos ambientais efetivamente existentes em terras públicas e privadas.
PL 490
Um dia antes da aprovação da MP na Câmara, a mesma bancada ruralista já havia conseguido aprovar o Projeto de Lei 490, que não passa de uma receita de como exterminar vidas e territórios indígenas em pleno século 21, estabelecendo o Marco Temporal, ou seja, uma data para que povos indígenas possam reivindicar suas terras de origem.
Fonte : Renato Santana – GGN