Versões Manipuladas
O Mounjaro. O Ozempic. As Versões Manipuladas. Os Prós e Contras
Published
1 dia agoon
By
O AntagônicoOzempic, Wegovy e Mounjaro têm conquistado popularidade entre os brasileiros por seu sucesso no tratamento do diabetes tipo 2 e da obesidade. No entanto, o alto custo desses medicamentos leva muitos pacientes a buscar versões manipuladas, oferecidas por farmácias de manipulação. Nas redes sociais, é fácil encontrar pacientes e profissionais que usam ou promovem essas versões, levantando questões de legalidade, patente e segurança.
A semaglutida, princípio ativo de Ozempic e Wegovy, e a tirzepatida, do Mounjaro, estão entre os medicamentos que aumentam a sensação de saciedade e a produção de insulina. A primeira, da dinamarquesa Novo Nordisk, é oferecida em comprimidos (Rybelsus) ou injeção subcutânea (Ozempic e Wegovy) para diabetes tipo 2 e obesidade. Já o Mounjaro, da americana Eli Lilly, imita outro hormônio além do GLP-1 e é indicado para diabetes tipo 2.
Segundo Marco Fiaschetti, da Anfarmag (Associação Nacional de Farmacêuticos Magistrais), a lei permite que farmácias de manipulação façam medicamentos com ativos patenteados, desde que a dose seja diferente da comercial e com prescrição médica individual. O diretor destaca que a prescrição busca atender às necessidades específicas do paciente, o que justificaria a manipulação. As dosagens comerciais existentes hoje são:
Mounjaro: 2,5 mg, 5 mg, 7,5 mg, 10 mg, 12,5 mg, 15 mg
Rybelsus: 3 mg, 7 mg, 14 mg
Ozempic: 0,25 mg, 0,5 mg, 1 mg
Wegovy: 0,25 mg, 0,5 mg, 1 mg, 1,7 mg, 2,4 mg
Celso Cukier, nutrólogo do Hospital Israelita Albert Einstein (SP), concorda e reforça que “produtos patenteados podem ser manipulados apenas quando é prescrita uma dosagem absolutamente individual ao paciente”. O médico também ressalta que as medicações devem ser sempre prescritas por profissionais habilitados “porque, como todas as medicações e todas as formulações químicas, podem ter efeitos colaterais e colocar pacientes em risco”. O diretor da Anfarmag explica ainda que, no caso da semaglutida, a substância está disponível para as farmácias de manipulação de forma totalmente legal, a partir de importação autorizada pela Anvisa.
O caso da tirzepatida é diferente, já que a substância não estaria disponível para as farmácias de manipulação via importação legalizada, o que impediria a produção do medicamento, mesmo sob prescrição médica. A reportagem entrou em contato com 13 farmácias de manipulação, inclusive grandes redes de drogarias que possuem um braço de manipulação de medicamentos, e comprovou a venda da semaglutida. Já a tirzepatida, nenhuma delas disse ter disponível.
Se passando por um cliente, a reportagem também questionou se a farmácia vendia a mesma dosagem disponibilizada pelos medicamentos Ozempic, Wegovy e Rybelsus e seis delas disseram que sim. Além disso, três das farmácias confirmaram que podiam vender o frasco com 30 ou 60 cápsulas sem receita. Ambas as ações contrariam as normas da Anvisa, já que a dosagem deve ser individualizada —diferente da comercializada pelos fabricantes— e a partir de uma receita médica.
Os valores da semaglutida manipulada variaram conforme a dosagem e a farmácia. Mas todos muito abaixo da versão comercial. Alguns exemplos: 60 cápsulas de 1 mg de semaglutida sai por R$ 314. Já a mesma quantidade para 1,7 mg sai R$ 489. Em outra farmácia, 30 cápsulas com 0,5 mg custariam R$ 122, enquanto a mesma quantidade para 2,4 mg de semaglutida sai por R$ 350.
Para fins de comparação, o Wegovy de 1,7 mg de semaglutida com 4 doses injetáveis —o que dá para um mês de tratamento— custa R$ 1.839,60 na rede de drogarias Pague Menos (consulta realizada em 7 de novembro de 2024). Segundo a Anvisa, “a fiscalização das farmácias de manipulação é realizada pelas autoridades locais de vigilância sanitária”. Cabe a esses órgãos municipais ou estaduais receberem as denúncias que envolverem esses estabelecimentos e também a aplicação de sanções cabíveis.
O que dizem as farmacêuticas? Apesar da norma da Anvisa para os manipulados, as farmacêuticas argumentam que possuem exclusividade na fabricação dos princípios ativos. Marcela Saturnino Caselato, endocrinologista e diretora de medical affairs da Novo Nordisk, reforça que a empresa é detentora da patente do princípio ativo semaglutida, de forma exclusiva, até pelo menos 2026. Diz ainda que a empresa não fornece ou autoriza o fornecimento de semaglutida a nenhuma farmácia de manipulação ou outra fabricante. Ela denuncia que farmácias estariam copiando produtos patenteados, infringindo a lei e colocando a saúde pública em risco.
O caso da tirzepatida é ainda mais complexo. Ainda não vendida no Brasil, a substância não está disponível para farmácias de manipulação através de importação legalizada. Segundo Felipe Berigo, diretor executivo da Eli Lilly do Brasil, somente a fabricante comercializa o Mounjaro e seu princípio ativo.
A prática da importação – Mesmo sob alegações de exclusividade, a semaglutida é importada legalmente para farmácias de manipulação, segundo Fiaschetti. Ele explica que a substância é adquirida de fornecedores legalizados pela Anvisa, o que permite que a farmácia atenda as prescrições. Para o Mounjaro, porém, a falta de insumos tem levado alguns pacientes e médicos a importar o medicamento de maneira independente, como pessoa física, o que é permitido pela Anvisa.
Em um vídeo no TikTok, uma brasileira que mora nos EUA explica como funciona o trabalho dela de exportar tanto o Mounjaro como a versão manipulada do tirzepatida. Na publicação, ela abre a embalagem de papelão para mostrar como o medicamento costuma chegar no Brasil, acondicionado em uma caixa de isopor, um “gelinho” e sacos cheios de ar para amortecimento. Ao abrir o pacote com as medicações, ela mostra os formatos das versões manipuladas enviadas: já na seringa, com as doses individuais para o paciente, ou em várias ampolas, para médicos que precisam em grande quantidade.
Em outro vídeo, uma pessoa do Recife comenta sobre sua experiência com o medicamento. Inicialmente, ela chama de Mounjaro, mas depois admite que se trata de uma versão manipulada da tirzepatida que, segundo ela, “é o que a maioria das clínicas aplicam”. Em resposta a um dos comentários, ela diz que começou com a dose de 5 mg, uma dosagem vendida comercialmente, mas ainda não no Brasil. Já em outro perfil, um nutrólogo diz que possui o “medicamento tirzepatida” disponível para seus pacientes e que está “obtendo resultados impressionantes”, “proporcionando emagrecimento rápido e sem efeitos colaterais”.
O vídeo não deixa claro se a versão disponível seria o Mounjaro ou a manipulada. Nos comentários de outra publicação que mostra o uso da tirzepatida manipulada na mesma rede social, algumas pessoas apareciam vendendo, com preços que variaram de R$ 6.900 a R$ 7.500 para o Mounjaro original e R$ 3.500 a R$ 4.000 para a tirzepatida manipulada. Nos EUA, o tratamento para um mês com o Mounjaro custa cerca de US$ 1.000, cerca de R$ 5.750.
Questionada sobre a importação de versão manipulada produzida em outros países, a Anvisa disse que a importação de produtos acabados sujeitos à vigilância sanitária, realizada por pessoa física diretamente e destinada a uso próprio e individual, está dispensada de autorização pela autoridade sanitária, contudo, deve observar as normas sanitárias vigentes.
“Desde que a importação por pessoa física ocorra em quantidade e frequência compatíveis com a duração e a finalidade de tratamento, ou que não caracterize comércio ou prestação de serviços a terceiros, é permitida”, diz a nota, o que, no caso de médicos que importam como pessoa física e disponibilizam em suas clínicas, estaria fora do previsto.
Felipe Berigo, da Eli Lilly, se mostra preocupado com o uso de versões manipuladas e alerta para os riscos de produtos de origem incerta. “A preocupação é sobre a procedência desses medicamentos que estão sendo comercializados”, afirma. Ele conta que em testes recentes, lotes apreendidos continham apenas álcool e impurezas, além de casos em que insulina foi encontrada, aumentando o risco de hipoglicemia.
O endocrinologista Fábio Moura, diretor da SBEM (Sociedade Brasileira de Endocrinologia e Metabologia), reforça os riscos: “Prescrições manipuladas têm perigos, pois a fonte da droga é incerta”. Moura ressalta que a falta de procedência desses medicamentos pode comprometer a saúde dos pacientes.
O que diz a Anvisa – Até o momento, a Anvisa aprovou apenas as versões originais de semaglutida e tirzepatida, obtidas por síntese biológica, o que inclui os medicamentos Rybelsus, Ozempic, Wegovy e Mounjaro. Substâncias produzidas quimicamente ainda não passaram pela avaliação necessária. Contudo, o órgão permite manipulação sob justificativas específicas, como a falta de disponibilidade comercial em dose ou forma adequadas.
Em geral, a Anvisa autoriza a manipulação de cápsulas, mas reforça que formatos diferentes da “caneta injetável” ainda não foram avaliados. Ao mesmo tempo, o órgão afirma que “a farmácia pode transformar especialidade farmacêutica, em caráter excepcional, quando da indisponibilidade da matéria-prima no mercado e ausência da especialidade na dose e concentração e/ou forma farmacêutica compatíveis com as condições clínicas do paciente, de forma a adequá-la à prescrição”.
Isso, em tese, abriria a possibilidade para as farmácias de manipulação elaborarem medicamentos em outros formatos, como o que ocorre com a semaglutida de acordo com Marco Fiaschetti. Segundo o diretor executivo da Anfarmag, o formato disponibilizado pelas farmácias de manipulação mediante prescrição médica é o de cápsula. “A farmácia de manipulação não tem tecnologia para fazer a apresentação na forma de caneta injetável”, explica.
Marcela Caselato, da Novo Nordisk, salienta que a empresa não desenvolveu a semaglutida em cápsulas, frascos ou fitas absorvíveis, formas que têm sido divulgadas no mercado. Ela alerta para o perigo de produtos sem procedência e lembra que os medicamentos da empresa são rigorosamente regulamentados.