Num recuo estratégico em meio ao vento de proa no setor de saúde, o Mater Dei decidiu vender sua participação de 70% no Hospital Porto Dias, de Belém, que a rede hospitalar havia comprado há dois anos e meio da família fundadora. A venda, no entanto, deve trazer um benefício imediato para o capital de giro do Mater Dei, já que o Porto Dias estava sofrendo com atrasos constantes de suas fontes pagadoras, penalizando toda a companhia.
“Todo o setor está sofrendo com a pressão sobre a cadeia de saúde, mas em Belém a situação é ainda mais complicada. Tem algumas operadoras com muita dificuldade financeira e outras que resolveram verticalizar e agora estão sofrendo com isso,” o CEO José Henrique Salvador disse ao Brazil Journal. “Começamos a ver o nosso ‘contas a receber’ desse hospital sendo muito alongado e vimos um risco alto do não recebimento desses valores.” Os principais clientes do Hospital Porto Dias são a Unimed Belém e o Instituto de Previdência dos Servidores do Pará, além de diversas outras operadoras de autogestão.
Salvador disse que o consumo de capital de giro da companhia no primeiro trimestre já teria sido 43% menor se o Porto Dias não estivesse mais no portfólio, com uma redução de 19 dias no ‘contas a receber’. “Tivemos R$ 94 milhões de capital de giro no primeiro tri, dos quais R$ 40 milhões vieram desse hospital. No segundo tri, ele também deve ter uma representatividade parecida no capital de giro,” disse ele. O benefício da venda para a companhia deve aparecer no terceiro trimestre, já que a expectativa é de uma conclusão rápida da operação.
Outro ganho com a transação será a redução da alavancagem da companhia, que fechou o primeiro tri em 1,9x EBITDA e agora deve cair para 1,4x com a entrada dos R$ 410 milhões. Como o Mater Dei pretende cancelar as ações que vão entrar na tesouraria (os 7% da família Porto Dias), os acionistas da companhia também vão se beneficiar da operação, já que sua participação na empresa vai aumentar.
Um gestor comprado no papel disse que vê aspectos positivos na transação, apesar do prejuízo de R$ 200 mi na venda. “Obviamente, o melhor cenário era o hospital estar ‘porrando’ e eles não terem que vender,” disse ele. “Mas dada a situação do ativo, com a deterioração das principais fontes pagadoras, isto mostra disciplina e mostra que eles têm coragem de reconhecer erros. Eu consigo ver que eles aprenderam algo com esse episódio.” Esse gestor disse que a família Salvador, que controla o negócio com 73% do capital, agora pode usar os recursos da venda “para fazer um melhor uso do capital
Com a venda, o Mater Dei passa a ter nove hospitais, incluindo o Mater Dei Nova Lima, cuja construção deve terminar nos próximos meses. O grupo também está na fase de desenvolvimento de um novo hospital em São Paulo, em parceria com a Bradesco Seguros. “Foi uma correção de rota pelo risco que tínhamos,” disse Salvador.
“Um movimento estratégico para focarmos nos ativos que estão indo bem.”
Desde o IPO, o Mater Dei fez quatro M&As além do Porto Dias: dois em Uberlândia, um em Goiânia e um em Feira de Santana.
Salvador disse que esses ativos “estão na fase de integração, alguns com melhor performance do que outros por uma questão de praça, mas continuamos muito positivos com todos eles.” O Mater Dei vale perto de R$ 2 bi na Bolsa e negocia a 10,3x o lucro estimado para este ano.
Com um investimento aproximado de R$ 1,77 bilhão em cinco aquisições, a Mater Dei foi um dos principais protagonistas na consolidação de hospitais entre 2020 e 2022. No entanto, como outras empresas do setor, o grupo tem enfrentado dificuldades decorrentes desse período de expansão acelerada. Para ajustar sua trajetória, a rede anunciou na quarta-feira (29) a venda de sua participação de 70% no Mater Dei Porto Dias, localizado em Belém (PA), por R$ 410 milhões. O comprador é a família Porto Dias, fundadora do hospital e proprietária dos 30% restantes.
O valor da venda representa pouco mais da metade dos R$ 800 milhões pagos à família Porto Dias pela participação em 2021. Naquela ocasião, a transação também incluiu a concessão de 7% das ações da Mater Dei à família, participação que agora está sendo devolvida com base na média do preço das ações nos últimos 30 pregões.
“Estamos fazendo um ajuste de rota com esse desinvestimento”, diz José Henrique Dias Salvador, CEO da Mater Dei, ao NeoFeed.
“Havia uma concentração relevante em algumas operadoras de planos de saúde que estavam alongando demais os pagamentos, o que vinha ampliando o risco nessa operação.”
Embora este seja um caso particular dentro da rede, a situação reflete um contexto mais amplo que tem afetado todo o setor de saúde. Além dos atrasos nos pagamentos das operadoras, fatores como as altas taxas de juros continuam a exercer pressão sobre a cadeia.
A empresa comunicou à CVM (Comissão de Valores Mobiliários) por meio de um fato relevante que, além dos montantes referentes à venda, durante o período em que a CSN deteve o controle, a empresa obteve um impacto positivo no caixa de cerca de R$ 180 milhões, incluindo dividendos e benefícios fiscais decorrentes da incorporação resultante da aquisição.
Com a conclusão da transação, o Mater Dei encerrará suas operações no complexo do Hospital Porto Dias, localizado em Belém. “O que o mercado está enxergando lá fora é também a nossa percepção aqui dentro”, afirma Salvador.
“Estávamos vendo o risco do nosso capital de giro ser ampliado por esse alongamento de pagamentos e decidimos encarar essa questão de frente”, afirmou.
O encerramento do pregão de quarta-feira viu as ações da Mater Dei apresentarem uma leve queda de 0,40%, sendo negociadas a R$ 5,03. No acumulado do ano, os papéis têm uma desvalorização de 39,7%, com a empresa avaliada em R$ 1,92 bilhão.