Em uma decisão que impacta diretamente a exploração comercial de algumas das canções mais conhecidas da música brasileira, o cantor Roberto Carlos, de 80 anos, e o espólio de seu parceiro Erasmo Carlos, falecido em 2022, sofreram mais uma derrota judicial no Superior Tribunal de Justiça (STJ). A decisão, tomada pela 3ª Turma do tribunal, envolve contratos assinados com a Editora Fermata do Brasil nas décadas de 1960 e 1970, que transferem direitos autorais de várias músicas compostas pelos dois artistas. Essa decisão estabelece que os contratos de cessão de direitos são válidos e impedem que os artistas explorem as músicas de forma independente.
O julgamento realizado no STJ no dia 12 de novembro de 2024 reforça uma série de decisões anteriores sobre o mesmo tema, que já haviam sido desfavoráveis aos músicos. Roberto Carlos e Erasmo Carlos argumentaram que os contratos originais visavam a edição musical e não a cessão definitiva dos direitos, mas o STJ entendeu que a cessão dos direitos foi explícita nos termos contratuais, caracterizando uma transferência definitiva dos direitos autorais das músicas.
A disputa começou quando Roberto Carlos e Erasmo Carlos decidiram questionar os contratos que mantinham com a Fermata. Esses contratos, firmados há mais de cinquenta anos, foram inicialmente concebidos, segundo os artistas, para garantir a publicação de suas músicas. Porém, eles alegam que a editora passou a exercer domínio sobre essas obras, aproveitando-se dos direitos autorais para obter receitas que os próprios autores não conseguem acessar diretamente. No entendimento dos músicos, a editora teria se apropriado de direitos que deveriam ser mantidos sob controle dos autores.
Apesar dos argumentos apresentados, o STJ decidiu manter o entendimento das instâncias inferiores, sustentando que a cessão dos direitos autorais era definitiva e, portanto, inalterável por decisão unilateral dos artistas. Dessa forma, Roberto Carlos e o espólio de Erasmo Carlos não podem explorar comercialmente essas músicas sem o consentimento da Fermata. O tribunal considerou os contratos, redigidos na época, como expressos em seu conteúdo, com um entendimento claro entre as partes envolvidas, reforçando a decisão que já havia sido proferida pelo Tribunal de Justiça de São Paulo (TJ-SP).
O Tribunal de Justiça de São Paulo foi uma das instâncias onde os artistas buscaram inicialmente resolver a questão. Em 2022, o TJ-SP recusou um pedido similar dos músicos, que tentavam rescindir um contrato que envolvia 27 músicas compostas entre as décadas de 1960 e 1980. O TJ-SP argumentou que os contratos tinham caráter de cessão definitiva, o que significa que a editora mantinha controle total sobre os direitos autorais dessas obras, contrariando a interpretação dos artistas de que se tratavam de contratos de edição.
A ministra Nancy Andrighi, relatora do caso no STJ, explicou que, embora Roberto Carlos e Erasmo Carlos tenham alegado que os contratos deveriam ser tratados como contratos de edição, a análise das cláusulas revelou que a intenção original dos artistas e da editora era estabelecer uma cessão irrevogável dos direitos autorais. Assim, os contratos, assinados em um período em que o mercado musical tinha outras condições, permaneceriam válidos em sua forma original.
A decisão do STJ enfatiza a relevância de uma avaliação criteriosa dos contratos de cessão de direitos no setor musical. A cessão de direitos autorais é uma prática comum no mercado, mas com o avanço tecnológico, especialmente com o surgimento do streaming, muitos artistas têm tentado rever ou questionar contratos antigos. No caso de Roberto Carlos, essa batalha se torna um alerta importante para compositores e músicos, que precisam estar cientes das cláusulas específicas dos contratos para evitar a perda de controle sobre suas criações.
Para a Fermata, essa decisão assegura o direito de explorar comercialmente as músicas, o que inclui também a distribuição em plataformas digitais e outros formatos modernos de consumo musical. Essa permanência do controle dos direitos autorais pode ser interpretada como uma vitória para as editoras, que mantêm contratos que ainda são juridicamente válidos, mesmo décadas após sua assinatura. No entanto, para Roberto Carlos e para o espólio de Erasmo Carlos, a derrota judicial representa um obstáculo à autonomia artística e financeira sobre parte importante de seu repertório.
Advogados e especialistas em direitos autorais enxergam a decisão como uma reafirmação da importância da segurança jurídica em contratos de cessão de direitos autorais. Para esses profissionais, o caso de Roberto Carlos evidencia a necessidade de contratos com cláusulas claras e definidas, de modo que a intenção das partes envolvidas seja respeitada e resguardada ao longo do tempo.
A presença de contratos bem estruturados no setor musical contribui para a estabilidade do mercado, garantindo que as editoras possam investir na promoção e divulgação das obras. Ao mesmo tempo, advogados aconselham que os artistas e compositores consultem especialistas antes de firmar contratos que envolvam seus direitos autorais. A falta de conhecimento técnico sobre o assunto pode gerar perda de controle sobre obras musicais, como aconteceu com Roberto Carlos e Erasmo Carlos.
Outras disputas – Ao longo de sua carreira, Roberto Carlos se envolveu em diversas disputas judiciais além das relacionadas aos direitos autorais. Uma das decisões mais emblemáticas ocorreu em 2021, quando o STJ concedeu a uma imobiliária da Paraíba o direito de usar o nome “Roberto Carlos” em um de seus empreendimentos. A decisão foi baseada no entendimento de que não havia concorrência desleal, pois as atividades da imobiliária e do cantor ocorriam em contextos diferentes e em locais distintos.
Outro caso recente envolveu o humorista e deputado Tiririca, que utilizou uma paródia da música “O Portão” em sua campanha eleitoral de 2022. Em agosto de 2024, o Tribunal de Justiça de São Paulo negou o recurso de Roberto Carlos, que buscava impedir o uso da música. O tribunal decidiu que a paródia não prejudicava a imagem do cantor e que Tiririca exercia seu direito de liberdade de expressão ao utilizar o tema em contexto humorístico e eleitoral.
Para Roberto Carlos e o espólio de Erasmo Carlos, a decisão representa uma perda importante, pois impede a exploração independente de um catálogo musical que inclui algumas das canções mais icônicas da música brasileira. O repertório da dupla, que marcou a era da Jovem Guarda e foi amplamente divulgado nas décadas de 1960 e 1970, permanece sob o controle da Fermata, que detém os direitos autorais e pode continuar lucrando com as obras.
Essa limitação imposta pelo STJ implica que Roberto Carlos não pode lançar versões atualizadas de suas músicas ou licenciar essas obras para novos projetos sem a autorização da editora. A decisão impede o controle independente de canções que marcaram gerações e consolidaram a dupla como ícones da música popular brasileira, representando também uma barreira para a reinvenção de suas próprias composições.