A liberdade de pensamento e de expressão é o direito mais evocado por magistrados e magistradas do Brasil que utilizam as decisões da Corte Interamericana de Direitos Humanos (Corte IDH) em seus próprios julgamentos. O dado faz parte da pesquisa “Comportamento Judicial em relação à Convenção Americana sobre Direitos Humanos (CADH): uma análise empírica do Poder Judiciário brasileiro”, apresentada pelo Conselho Nacional de Justiça (CNJ). Questões de liberdade de pensamento e de expressão representaram 26,17% dos temas mapeados pela pesquisa, sendo que 25,64% são de casos que envolvem crime de desacato.
O direito da pessoa presa de ser conduzida, sem demora, à presença de juiz ou juíza foi a segunda garantia prevista em tratados internacionais mais aplicada pela magistratura nacional, com 20,42%. Já o direito de não sofrer prisão civil por dívida representou 12,39% dos casos em que as decisões consideraram as diretrizes internacionais, sendo que 9,26% são de casos que envolvem prisão civil de depositário infiel ou devedor fiduciante.
A pesquisa consistiu no envio de questionário on-line estruturado a todos os integrantes da magistratura dos 91 tribunais do Poder Judiciário brasileiro, desde a primeira instância até os tribunais superiores, em todos os ramos da Justiça comum e especializada, com retorno de 15% desse público. Desses tribunais, apenas 7,5% responderam que aplicam regularmente a CADH em suas decisões. Metade dos respondentes declarou não conhecer, não ter estudado a fundo ou nunca ter aplicado o tratado em suas decisões.
As conclusões do trabalho foram apresentadas durante a trigésima edição do Seminário de Pesquisas Empíricas Aplicadas a Políticas Judiciárias, transmitida na quinta-feira (18/5) pelo canal do CNJ no YouTube. De acordo com o professor de Direito da Pontifícia Universidade Católica (PUC) do Paraná e da Universidade Federal do Paraná, Daniel Wunder Hachem, foram realizadas ainda entrevistas com 70 julgadoras e julgadores brasileiros, de todas as cinco regiões do país. Entre os entrevistados, 54,29% declararam espontaneamente que não costumam aplicar as normas da convenção.
Os pesquisadores da PUC-PR analisaram também a jurisprudência relacionada às convenções e aos pactos internacionais e catalogaram 4.978 acórdãos com inteiro teor disponível, julgados entre os anos de 3 de dezembro de 2008 e 31 de dezembro de 2021. Para inclusão, foram levadas em conta as ementas que mencionam no conteúdo dos votos as expressões “Convenção Americana”, “Convenção Interamericana”, “Pacto de São José”, “Pacto de San José” e “convencionalidade” ou “Corte Interamericana”.
Apenas 0,1% das decisões citam os termos pesquisados. A defensora pública do estado do Rio de Janeiro Andrea Vaz de Souza Perdigão, que debateu o tema, considerou surpreendente a informação de que 99,9% dos magistrados não utilizam a convenção em suas sentenças ao passo que 67,31% dos que responderam ao questionário conhecem a Recomendação CNJ n. 123/2022. O ato normativo recomenda aos órgãos do Poder Judiciário brasileiro a observância dos tratados e das convenções internacionais de direitos humanos e o uso da jurisprudência da Corte IDH.
“Os magistrados entendem que há sobreposição entre as normas da convenção e da Constituição”, analisou ela, acrescentando que entre elas têm ocorrido avanços, como a aprovação da Resolução CNJ 492, em março de 2023, que prevê a inclusão do tema Direitos Humanos nos concursos da magistratura, além de propostas de capacitação geradas no âmbito do Pacto Nacional do Judiciário pelos Direitos Humanos.
A professora doutora da PUC-SP Flávia Cristina Piovesan classificou como alarmantes os dados apresentados no evento, que contou com a coordenação da juíza auxiliar do CNJ Ana Lúcia Aguiar. A debatedora chamou a atenção para a importância da realização de seminários e capacitações, conforme política pública adotada pelo CNJ. “A ambição é justamente agora contribuir para essa transformação cultural tendo em vista o planeta de diversidade que é o Brasil”, disse ela ao final do evento realizado pelo Departamento de Pesquisas Judiciárias (DPJ) do Conselho, representado pelo secretário especial de Programas, Pesquisas e Gestão Estratégica (SEP) do CNJ, Ricardo Fioreze.