O Antagônico reproduz abaixo o desabafo do jornalista Lúcio Flávio Pinto que anuncia, para tristeza de seus milhares de leitores, a aposentadoria das teclas, por conta do agravamento do Parkinson. Registramos aqui nosso profundo respeito ao Lúcio, sem dúvidas um dos melhores jornalistas do Brasil e do Mundo. Leia abaixo o texto do mestre:
“Acordei assustado na madrugada de hoje. Saí do sonho com uma cobrança: eu tinha errado, de forma crassa, uma nota que postei ontem no blog. Por incrível que pareça, o erro foi percebido durante o sonho. Fui praticamente despejado do sono por essa cobrança, feita no reino do inconsciente.
Como se, só assim, uma traição perpetrada pelo inconsciente, que me impediu de ler corretamente o documento no qual me baseara para escrever o post, pudesse ser corrigida: pelo mesmo inconsciente, ainda capaz de desfazer a falha cognitiva.
Eu criticara e ironizara (como fiz várias vezes, em função de atos que interpretava como dissipação de dinheiro público) a Fundação Cultural do Pará por comprar livros de uma empresa de construção, a Mais Brasil Construtora, de Ananindeua.
Na verdade, o contrato era para a “aquisição de unidade biblioteca modular, composta por mobiliário, equipamento, livros e software, dimensionado em no mínimo 100m2, composta por módulos habitáveis, não podendo ser container marítimo, a fim de atender às necessidades da Fundação Cultural do Estado do Pará”.
Eram duas horas da madrugada. Aturdido e insone, vim a este computador e escrevi esta retificação:
“Peço desculpas à Fundação Cultural do Pará, à empresa construtora e ao leitor pelo involuntário erro cometido na nota sobre os livros. O serviço contratado é relativo a estantes e não a livros. Por isso, exclui a nota, o que faço por iniciativa pessoal, já que não houve qualquer comentário a respeito, lamentando a confusão”.
Depois de refletir mais um pouco, chocado pela situação, acrescentei este post:
“Fui alertado pelos médicos: na sua progressão, o Parkinson poderia começar a atingir a minha cognição; e eu seria abalado. Esse dia chegou. Mesmo lendo e relendo o extrato do contrato da Fundação Cultural do Pará, que motivou uma nota, já cancelada, voluntariamente, li errado e só percebi o erro neste momento. Acordei subitamente, assustado, já com a constatação do erro crasso que cometera por uma leitura prejudicada, O inconsciente disparara a lucidez sobre o ato praticado, vencendo a limitação momentânea na vida consciente.
Só cancelar a nota, como fiz, não é o suficiente. Depois de anos de convivência com a doença mental, que é degenerativa e não tem cura, este foi o primeiro erro desse tipo que cometi, depois de milhares de notas que escrevi neste blog já com o diagnóstico do mal.
Sob o choque da percepção, decidi encerrar a minha atividade jornalística pública diária. Não quero cometer um novo erro desse tipo, por redução ou, em algum momento, perda da capacidade cognitiva. Poderia continuar sem mudança minha atividade, apoiado no fato, comprovado cientificamente, de que não seria um erro voluntário, mas devido à doença, sobre a qual, nessas circunstâncias, não exerço controle.
Por formação e por atavismo profissional, não posso permitir que uma eventual repetição dessa perda de cognição cause danos a quem que seja, inclusive a mim. É uma questão de foro íntimo, no qual o problema vai se confinar a partir de agora. O que por várias vezes tentei, sem conseguir consumar a decisão, agora se completa, para minha profunda lástima. Encaro a decisão como uma contingência impositiva, para manter coerência com 57 anos de exercício da profissão a que me dediquei integralmente desde a adolescência, sempre buscando servir aos meus leitores e às causas públicas que adotei ao longo do tempo.
O blog será dedicado, a partir de agora, à divulgação do que já escrevi e à imensa quantidade de documentos do meu arquivo, que possam ter utilidade pública. Além de prosseguir no tema mais relevante neste contexto: a cabanagem. Continuarei a acompanhar o dia a dia do Pará, da Amazônia, do Brasil e do mundo. Agora, como espectador, espectador ainda comprometido com o meu tempo, mesmo que este já não seja exatamente meu.
Muito obrigado a todos os meus leitores, de acordo ou em divergência comigo, sem os quais eu não estaria aqui, com a maior gratidão que há em mim. Espero que este blog e os demais, que procurarei continuar a alimentar, ainda mereça a sua visita, para mim sempre honrosa, estimulante e reconfortadora.
E la nave va. Porque navegar é preciso”.
Confirmo, pois, a decisão.