A empresa Belo Sun Mineração, o Estado do Pará, o Ministério Público Federal (MPF), o Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama) e a Associação Yudjá Miratu da Volta Grande do Xingu, além de outras associações indígenas, recorreram da sentença que declarou o Ibama competente para analisar e conceder as licenças ambientais do empreendimento Projeto Volta Grande do Xingu.
A ação, cuja sentença foi recorrida, foi ajuizada pelo MPF em desfavor do Estado do Pará, da empresa de mineração e do Ibama e objetivava que fosse declarada a incompetência do Estado do Pará para o licenciamento do projeto, com anulação de todos os atos realizados e a suspensão imediata das atividades do referido empreendimento até a regularização do processo junto ao órgão federal.
A Belo Sun argumentou incompetência da Justiça Federal para analisar e julgar a presente demanda. Inexistência de interesse da União direto e específico. Ilegitimidade do MPF; prejudicialidade entre as ACP propostas em desfavor ao licenciamento ambiental do Projeto Volta Grande; violações aos Princípios do Devido Processo Legal e da Ampla Defesa incisos; e transgressão ao Princípio do Livre Convencimento motivado do Juiz. O Estado do Pará apelou sustentando a competência estadual para o licenciamento ambiental do empreendimento e a incompetência do Ibama, segundo os critérios de localização e tipologia.
Já o MPF defendeu a nulidade do processo administrativo de licenciamento realizado pelo órgão estadual, alegando que a decisão de primeiro grau se equivocou ao não atribuir à invalidade do procedimento, pois “não é dado ao juízo afirmar incompetência sem reconhecer nulidade”. Por sua vez, o Ibama sustentou ser equivocada a imposição judicial à autarquia federal de competência própria do estado-membro em ofensa ao pacto federativo e à aplicabilidade da Lei Complementar n. 140/2011, demonstrando sua incompetência para licenciar o empreendimento.
Sobre a legitimidade do MPF e da competência da Justiça Federal, o relator, desembargador federal Jamil Rosa de Jesus Oliveira, afirmou que não restam dúvidas quanto à legitimidade ativa de ambos: “são funções institucionais do Ministério Público (…) III – promover o inquérito civil e a ação civil pública, para a proteção do patrimônio público e social, do meio ambiente e de outros interesses difusos e coletivos, nos termos do art. 129, inciso III, da Constituição da República” e “Tendo-se como competente a Justiça Federal para julgar a ação tendente à anulação do licenciamento ambiental (licenças prévia e de instalação) por inexistência ou deficiência de estudos de impacto sobre as comunidades indígenas vizinhas ao empreendimento, é consectário que também esta Justiça Federal seja competente para julgamento da ação anulatória dessas mesmas licenças, aos fundamentos já declinados, da competência federal para o licenciamento, em razão da (a) sinergia com a UHE Belo Monte; (b) de impactos em rio nacional e (c) sobre terras indígenas”.
Com relação às alegações sobre ofensa ao devido processo legal, ao contraditório e ao Princípio do Livre Convencimento Motivado do Juiz, o magistrado esclareceu que a sentença apreciou a contento os pedidos de produção de provas e motivou sua decisão de forma satisfatória, constatando improcedentes os pedidos relacionados. O desembargador federal também pontuou que a alegação de que a presente ação estaria prejudicada em razão do julgamento da ACP, igualmente não procede, considerando existirem relevantes pontos em comum, bem como complementares entre as ações, mas não de prejudicialidade.
O relator esclareceu que o caso é relativo à competência, se estadual ou se federal, para licenciamento do Projeto Volta Grande de Mineração de interesse da empresa de mineração. E complementa que a competência administrativa para a proteção do meio ambiente, prevista no art. 225 da Constituição Federal é comum à União, aos Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios, nos termos do art. 23 da Carta Magna. O magistrado também citou a Resolução Conama n. 237/1997, a Portaria Interministerial n. 419/2011 e a Lei Complementar n. 140/2011, que “fixa normas, nos termos dos incisos III, VI e VII do caput e do parágrafo único do art. 23 da Constituição Federal, para a cooperação entre a União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios nas ações administrativas decorrentes do exercício da competência comum relativas à proteção das paisagens naturais notáveis, à proteção do meio ambiente, ao combate à poluição em qualquer de suas formas e à preservação das florestas, da fauna e da flora; e altera a Lei n. 6.938, de 31 de agosto de 1981”.
Dentro do contexto legal, o relator destacou que a jurisprudência do Tribunal tem se orientado no sentido de se privilegiar a competência supletiva da autarquia ambiental federal para o licenciamento de empreendimentos regionais. O magistrado ressaltou que resta sedimentado o entendimento no sentido de que não se fixa a competência no âmbito federal senão quando houver impacto ambiental interestadual ou impacto direto sobre terras indígenas, ou supletivamente, vale dizer, quando houver incapacidade ou omissão de entidades estaduais ou municipais.
Contudo, os julgados, nesse sentido, cuidaram de licenciamentos de pequenos empreendimentos, com impactos ambientais igualmente pequenos ou pouco significativos, o que não é o caso desta ação civil pública, versando atividade de grande impacto ambiental em área impactada por usina hidrelétrica de grande porte, na verdade, a segunda maior usina dessa espécie no país: “Normativamente, tudo parece convergir para a manutenção do licenciamento de que trata a espécie no âmbito da Sema-PA, o que levaria ao provimento das apelações da Belo Sun, do Estado do Pará e d Ibama quanto à matéria de fundo. Porém, os fatos ambientais, com seus antecedentes e suas possíveis repercussões, apontam no sentido de se fixar a competência federal para esse licenciamento”, concluiu.
Diante dos exposto, o desembargador federal votou no sentido de manter a sentença, em todos os seus termos, ratificando a validade de todos os atos administrativos praticados no processo de licenciamento, inclusive das respectivas licenças, cabendo ao Ibama reavaliar a regularidade das licenças já concedidas, como se determinou na sentença recorrida, em ordem a evitar repetições desnecessárias de atos e estudos da mineradora interessada e da Sema-PA, por isso que não merecem provimento as apelações do Ministério Público Federal e das associações indígenas, que pretendiam a anulação de todo o processo administrativo perante o órgão ambiental estadual. Por fim, decidiu a 6ª Turma do Tribunal Regional Federal da 1ª Região, por unanimidade, não atender aos pedidos dos apelantes, nos termos do voto do relator.