O Ministério Público Federal (MPF) ajuizou, nesta segunda-feira (18), novos processos contra ocupantes irregulares da Terra Indígena (TI) Apyterewa, localizada no município de São Félix do Xingu, no Pará. No total, foram 13 ações criminais e 24 ações civis públicas. Dessa vez, os alvos dos processos são pessoas que se instalaram no território antes da definição dos limites da terra indígena e, por isso, foram classificadas pela Fundação Nacional dos Povos Indígenas (Funai) como ocupantes de boa-fé. No entanto, mesmo após terem sido indenizadas ou reassentadas, permaneceram explorando economicamente o local, para criação e venda de gado, de forma irregular.
Além de pedir a punição dos ocupantes ilegais na esfera criminal, o MPF requer o pagamento de R$39,2 milhões, a título de ressarcimento dos ganhos financeiros obtidos com a comercialização do rebanho irregular e de indenizações por danos morais coletivos. Os valores vão servir para recuperar danos ambientais e proteger a Terra Indígena Apyterewa.
Com esse novo grupo de ações, já são 85 processos ajuizados pelo MPF contra responsáveis pela venda irregular de quase 50 mil cabeças de gado na terra Terra Indígena Apyterewa, revelada pelo relatório Boi Pirata. Ao todo, o MPF requer mais de R$115 milhões em indenizações para a recuperação da área e a proteção da etnia Parakanã, que habita o local.
Novas ações – Nas 13 ações penais apresentadas à Justiça Federal, nesta segunda-feira (18) o MPF pede a condenação de 18 réus pelos crimes de invasão de terra pública (artigo 20 da Lei 4.947/1966) e exploração de atividade poluidora sem licença ou autorização de órgãos ambientais competentes (artigo 60 da Lei 9.605/1998). Já as 24 ações civis públicas pedem que os ocupantes sejam condenados a pagar R$ 28,7 milhões em ressarcimento pelos ganhos financeiros obtidos com a comercialização ilegal dos bovinos após o reassentamento. O valor cobrado pelo MPF deverá ser destinado à recuperação ambiental da área e a medidas de proteção territorial a serem adotadas, após o fim da operação de retirada dos invasores, com o apoio da Funai.
Além disso, pelos danos morais causados a toda a sociedade, em decorrência da atividade ilícita, o MPF requer o pagamento de R$10,5 milhões a serem destinados aos Parakanã. Outro pedido feito nas ações é a concessão de liminar para o bloqueio dos bens dos réus – como imóveis, maquinários, veículos – assim como de valores depositados em instituições bancárias, de forma a garantir o pagamento das indenizações. Conforme aponta o MPF nos processos, embora os alvos dessas novas ações tenham sido classificados pela Funai como ocupantes de boa-fé, uma vez reassentados ou indenizados, eles não poderiam seguir ocupando ou explorando economicamente a terra indígena. Ao manterem as atividades irregulares ligadas à criação e venda de gado na região, segundo o Ministério Público, os denunciados passam à condição de ocupantes de má-fé.
Os ocupantes de boa-fé foram aqueles que se instalaram no território até 31 de dezembro de 2001, data de publicação da Portaria nº 1.192/2001 do Ministério da Justiça, primeira a fixar os limites atuais da TI Apyterewa em 773 mil hectares. Essa classificação serve apenas para o pagamento de indenização pelas benfeitorias realizadas no local e para o reassentamento das famílias, visto que quando essas essas pessoas se instalaram no local não sabia que se tratava de terra indígena. No entanto, assim como os ocupantes classificados como de má-fé – por terem chegado após essa data – os de boa-fé não podem permanecer no território destinado aos Parakanã, visto que não pertencem à etnia. Em outubro deste ano, o MPF já havia ajuizado um primeiro grupo de ações – 48 no total, sendo 31 criminais e 17 civis – contra os ocupantes classificados de má-fé.
Todos os processos ajuizados são decorrentes do relatório “Boi Pirata: a pecuária ilegal na Terra Indígena Apyterewa”, elaborado pelo MPF a partir da análise de bases de dados relativas à cadeia de produção e comercialização de gados criados ou engordados ilegalmente na área. Foi constatado que 86 fazendas localizadas ilegalmente no território movimentaram entre 2012 e 2022 um total de 48.837 bovinos para 414 imóveis rurais, sendo que 47.265 foram destinados a fazendas que estão fora da terra indígena. O lucro com a atividade ilegal é estimado pelo MPF em R$130,9 milhões. O MPF ainda está analisando a atividade das demais fazendas apontadas no relatório, o que pode resultar no ajuizamento de novas ações criminais e civis semelhantes. Para o órgão, a atividade agropecuária é o principal vetor de desmatamento e de grilagem no território indígena.
Apesar de homologada em 2007, a TI Apyterewa é reconhecida como de posse tradicional do povo Parakanã desde 1992, sendo há 30 anos alvo de invasões. Segundo o Censo de 2022 do IBGE, foram identificadas 1.383 pessoas residentes na Apyterewa, das quais 616 não pertencem à etnia. O desmatamento acumulado na área é o maior da Amazônia, correspondente a 13,10% de sua área. O MPF vem acompanhando, desde o dia 2 de outubro, a operação do Governo Federal para a retirada de não indígenas dos territórios Apyterewa e Trincheira Bacajá, localizados no sudeste do Pará. A medida chamada “desintrusão” tem como propósito garantir o direito dos ocupantes tradicionais desses territórios. A ação é conduzida pela Secretaria-Geral da Presidência da República, pelo Ministério dos Povos Indígenas, pela Funai), pela Força Nacional, entre outros órgãos.
A operação é resultado de pedido feito pelo MPF ao Supremo Tribunal Federal (STF), no final de 2021, para suspender decisão do Tribunal Regional Federal da 1ª Região (TRF1) que impedia a realização de operações para a retirada de invasores da Terra Indígena Apyterewa. A área de 773 mil hectares vem sofrendo com o aumento gradual no número de invasores, desde sua homologação, em 2007.