O desembargador Hamilton Saraiva dos Santos, do TJAM (Tribunal de Justiça do Amazonas), surpreendeu os colegas ao apresentar uma proposta que pode barrar o voto de duas desembargadoras eleitas recentemente em um importante julgamento realizado nesta nesta terça-feira (22). As magistradas proferiram votos contrários ao dele. Saraiva afirmou que as desembargadoras Ida Maria Costa Andrade e Lia Maria Guedes não poderiam votar porque não integravam o Tribunal Pleno no julgamento do caso, em 2024, e o recurso buscava aperfeiçoar aquela decisão. As magistradas foram eleitas no início deste mês.
O desembargador também propôs considerar como “indevidos” os votos antecipados pelos colegas após ele pedir vista. Para ele, os votos devem ser proferidos após ele se manifestar. Com esse entendimento, cinco votos contrários ao dele (incluindo os votos das duas desembargadoras) também seriam derrubados. “Eu confesso que estou surpreso com este posicionamento, mas muito surpreso”, afirmou o desembargador Flávio Pascarelli. “Nós não podemos ter aqui voto estratégico”, completou. “Eu fiquei tão surpreso quanto o desembargador Pascarelli com essa posição. Para mim foi uma surpresa esse questionamento”, disse Cláudio Roessing. “Elas têm, sim, direito de votar”, afirmou Mirza Cunha.
O tribunal analisa um recurso do Bradesco contra uma decisão que reconheceu o direito a indenização por danos morais quando o banco faz descontos não autorizados, chamados de “cesta básica”. A decisão pode impactar milhares de processos em andamento na Justiça do Amazonas. Em julho de 2024, por maioria (oito votos contra sete), os desembargadores decidiram que, nos casos de descontos indevidos, há dano moral presumido, isto é, não são necessárias outras provas além do próprio desconto para reconhecer que o banco deve indenizar o cliente. A questão foi decidida em um IRDR (Incidente de Resolução de Demandas Repetitivas) classificado como Tema 8 no TJAM.
Na ocasião, Saraiva discordou do relator, desembargador João Simões — que reconhecia o dano moral nos descontos indevidos — e propôs que o tribunal determinasse que a existência do dano moral fosse analisada pelo julgador caso a caso. Após longos debates, o desembargador Paulo Lima apresentou voto no qual, assim como Saraiva, entendeu que o desconto não autorizado não configura, por si só, dano moral. Lima defendeu que a caracterização do dano dependeria do preenchimento de certos requisitos ou da análise caso a caso. Saraiva acompanhou o voto do colega, mas ambos foram vencidos.
Após o julgamento, o Banco Bradesco recorreu contra o acórdão e o relator votou pela rejeição do recurso. No dia 17 de junho, Saraiva pediu vista. Entretanto, após o pedido, cinco desembargadores (incluindo as novas desembargadoras) anteciparam o voto e acompanharam Simões: Yedo Simões, Cláudio Roessing, Cézar Luiz Bandiera, Ida Maria Costa Andrade e Lia Maria Guedes. Na terça-feira,22, Saraiva contestou a participação das magistradas no julgamento. Ele sustentou que elas não integraram o Tribunal Pleno no julgamento do IRDR, em 2024. O entendimento do desembargador foi com base em um trecho do regimento interno do TJAM que prevê que, nos “embargos de declaração”, “tomarão parte no julgamento, sempre que possível, os mesmos julgadores que participaram do processo originário”. “[As desembargadoras] não compuseram o quórum do aresto a que se pretende aclarar”, afirmou. Saraiva afirmou que, para manter a coerência, o julgamento do recurso deveria continuar somente com os desembargadores que participaram da análise em julho de 2024, sem a necessidade de fazer novas convocações. “Seria indevida a contabilização dos votos por elas [desembargadoras Ida Maria e Lia Maria] proferidos, bem como depreendo que se revela prescindível qualquer convocação adicional para fins de deliberação”, afirmou Saraiva.
O desembargador também levantou questão de ordem para declarar indevida a antecipação de votos após a formulação de pedido de vista, alegando que o pedido tem efeito suspensivo. “[É] indevida a imediata antecipação de votos por parte dos demais membros do colegiado, sem que antes houvesse o regular discurso do prazo de 10 dias previsto para análise”, afirmou Saraiva, que propôs que os votos antecipados devem ser recontados. Após a manifestação de Saraiva, o relator pediu vista. Em seguida, Flávio Pascarelli se disse “surpreso” com a manifestação de Saraiva. Ele defendeu que as desembargadoras podem votar, pois assumiram os cargos ocupados pelos desembargadores Elci Simões e Joana Meirelles, que se aposentaram.
“O texto em questão não veta participação de qualquer membro que compõe o colegiado, que é o caso das desembargadoras. Elas não estão sendo convocadas para compor quórum nenhum. Elas compõem o colegiado”, disse Pascarelli. Sobre a antecipação dos votos, Pascarelli sustentou que não há qualquer impedimento no regimento do TJAM. “Mais uma vez não vislumbro no texto citado nenhuma vedação à antecipação de votos. Aliás, isso é costumeiro em todos os tribunais do mundo”, afirmou.
Pascarelli também lembrou que os votos das desembargadoras eram no sentido contrário ao de Saraiva. “Vale notar que as desembargadoras cujos votos se pretende excluir — isso é importante — os votos antecipados que se busca anular estão com relação ao mérito em dissonância com o posicionamento do vistante, que suscitou essas questões de ordem”, afirmou. “Nós não podemos ter aqui voto estratégico”, completou.
Saraiva rebateu: “O objetivo aqui não foi inviabilizar o voto de ninguém. Estou preocupado com a higidez do julgamento.”
Pascarelli respondeu: “Vossa Excelência propõe um voto inovador, contrário a tudo o que sempre ocorreu na tradição dos tribunais. Vossa Excelência faz uma interpretação totalmente dissonante do próprio texto [do regimento].” João Simões retirou pedido de vista e disse que não concordava com a posição de Saraiva, pois a proposta reduzirá o número de julgadores.
“Como pacificar um assunto com o quórum cada vez mais reduzido? Se nós retiramos mais julgadores que podem formar, com seus entendimentos, conhecimento maior para que o voto tenha mais robustez”, afirmou Simões. Airton Gentil também discordou da proposta de Saraiva em relação às duas questões de ordem. Délcio pediu vista, alegando que a manifestação de Pascarelli não havia sido apresentada previamente. Com isso, o julgamento foi adiado. Mesmo com a suspensão, os desembargadores Yedo Simões, Cláudio Roessing e Mirza Telma Cunha anteciparam o voto contra as questões de ordem levantadas por Saraiva.
Roessing afirmou que estava surpreso com o questionamento de Saraiva. “Eu fiquei tão surpreso quanto o desembargador Pascarelli com essa posição dessa questão de ordem para excluir as duas desembargadores eleitas por unanimidade por este plenário. Já estão exercendo sua atividade aqui no plenário. Só faltam tomar posse”, afirmou Roessing. Ao final, após ouvir protesto dos colegas, Hamilton justificou seu questionamento. “O que eu quero é que essa corte aponte qual é a direção. Chama-se segurança”, afirmou.